Um streap-tease de alma de quem se envolveu em campanhas durante a pandemia
Um dos grandes aprendizados da pandemia pra mim foi me jogar em redes de solidariedade. Não só porque muita gente está precisando de ajuda. Mas para exercitar a confiança, a relação entre as pessoas. Só que nesse exercício, acabei descobrindo muitas outras coisas. E tem aquele velho ditado “nada faz tanto bem, como fazer o bem”. Só que o bem é algo bem relativo… o que é o bem pra mim, pode não ser pra ti…
Sair do nosso quadrado, sentir empatia por quem passa frio, fome, ou mesmo está vivendo na miséria de carinho e atenção, atravessando uma doença incurável não é algo simples. Nem pra mim. Escapar da nossa bolha, procurar minimamente se colocar no lugar de quem está pedindo ou não, é algo desafiador. Cada um dá somente aquilo que tem. Sinto-me tão privilegiada de viver em boas condições de vida, que acredito que preciso fazer pelo menos o mínimo do que está ao meu alcance.
Mas quero compartilhar com você, que todo esse processo de fazer alguma coisa para tentar amenizar as dificuldades de alguém me suscita um sentimento estranho. Não me sinto confortável em divulgar o que estou fazendo para ajudar aos outros. Minha mãe dizia que não precisava anunciar o que se faz pelos outros. Mas daí vem o outro lado dessa questão: se eu não disser o que faço, como posso inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo? Há uma linha tênue entre divulgar e o ser humilde.
Nesses quase dois anos pandemia, amigos, conhecidos e desconhecidos enfrentaram situações que precisaram não só de auxílio financeiro, mas de um apoio moral, de afeto, simplesmente de um ombro amigo. E aí tem o contexto mais complexo: a nossa capacidade de suporte de poder dar. É uma linha muito tênue esse cenário. São poucos que conseguem conviver, suportar situações de estresse ou de ausência de condições de vida.
Eu não me acho uma fortaleza, alguém diferente da maior parte das pessoas. Preciso confessar que eu sofro em me deparar com situações difíceis. Talvez o mais desafiador pra mim é não conseguir equilibrar o tempo em resolver os meus próprios problemas para me dedicar a questões envolvendo os outros.
Muitos do que convivo nunca contribuíram nas campanhas que estou envolvida. Eu vivo numa terra de desconfiados. É bem comum acharem que há algo por trás de qualquer atitude. E eu resolvi escrever esse post porque acho que talvez possa gerar alguma inquietação entre meus leitores. Acredito muito no quanto precisamos fomentar essa cultura de doação. Doar mesmo, não só o que não queremos. Mas doar parte do nosso tempo, da nossa vida para fazer o mundo um pouquinho melhor.
É claro que depois de 30 anos atuando na área socioambiental já percebi que não vou conseguir mudar o mundo como gostaria. Só que cada ensaio de campanha, cada ação ou iniciativa para promover o bem comum, seja em coletivos com tanta gente diferente como o POA Inquieta, seja no meu próprio condomínio, sempre há alguém disposto a colaborar. E em tempos de mudança climática, com tantos eventos extremos acontecendo, precisamos estar cientes, que estar aberto e disposto a doar, deve fazer parte da nossa vida. Aliás, já pensou em doar para os flagelados da Bahia?
Vivemos em tempos tão duros, complexos em vários sentidos, especialmente em ter que aprender na marra como transitar, sobreviver e ainda ser remunerada nesse universo de infodemia, com muita desinformação, e algoritmos oportunistas – algo bem desafiador para quem é jornalista independente com o pé no século XX – o mínimo que devemos fazer é nos ajudar, colaborar uns com os outros.
E aí entra um outro componente, que pode soar ridículo: não se importar se o outro não está enxergando, sentindo o que estou vendo. Não julgar se mesmo que o outro tenha, na sua avaliação, muito mais condições financeiras ou tempo para melhorar a situação de outros. Ele poderia fazer isso, aquilo… o outro é o outro. Não vou mudar a pessoa que só se preocupa com o seu próprio umbigo. Confesso que isso é bem difícil, é um aprendizado pra mim.
Sabe porque estou escrevendo isso também? Porque nessa última campanha que estive envolvida, de reunir doações para comprar absorventes para catadoras, eu cheguei a ficar triste de não conseguir atender a todas unidades de triagem de resíduos. Privilegiamos dar 32 ou 24 absorventes para 189 mulheres a dar um pacote de 8 para cada uma por questões de logística e também para atender as que mais estão precisando no momento.
É aquela velha história de ver o copo meio cheio ou meio vazio. E logo uma amiga me chamou a atenção: mas que bom que conseguimos atender 189 mulheres! É isso que precisas focar, disse ela pra mim, em outras palavras.
Bueno, escrevo isso pra dizer o seguinte: o doar, seja tempo, seja dinheiro, seja comida, ou mesmo absorvente, é algo que mexe com a gente e com os outros. Produz impactos. Interfere com sistemas, de várias ordens.
Pode parecer estranho, mas algo acontece quando saímos do nosso lugar comum para procurar entender minimamente o que o outro está passando. Enfim, pensar demais dá nessas coisas. Fazemos voltas. E o que importa mesmo, é sabermos lidar com nossas inquietações e perceber que se vivemos em sociedade, tudo que fazemos contribui para a qualidade do nosso contexto.
Que saibamos distinguir o que é possível mudar o que está ao nosso alcance e aceitar o que não podemos mudar em 2022. Obrigada pela sua atenção, se chegou até aqui. Obrigada mesmo, pois o recurso mais valioso que existe hoje chama-se tempo.
Confira algumas campanhas que já estive na organização nessa pandemia
Entregas de cestas básicas e kits de higiene clique aqui para ler.
Parabéns por mais essa bela iniciativa Silvia!
Fantástico!! ❤
Ótimas reflexões Silvia. O doar para alguns faz parte do seu dia a dia de forma natural, já para outros, sem julgamento, é até sofrido, pois quando se pensa no “correto” e não é dado o valor ideal existe a cobrança interna, mas para por aí. Entendo como importante pequenas ações de forma contínua, mas principalmente feitas de verdade e propagadas para que outros saibam da necessidade desses grupos.
Obrigada, Tania, por dedicares o teu precioso tempo comentando meu texto. Acredito que temas como doação precisam estar mais presentes por vários motivos… aliás, escrevendo aqui pra ti, percebi que deveria escrever motivos para doar…
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