Por que a questão dos resíduos sólidos não está na pauta do dia?
A cada dia surge um novo tipo de embalagem para seduzir os consumidores. “Inovações” da indústria que se preocupa apenas com o momento da compra e do consumo. E o depois? Que fique para os outros resolverem? Quem paga os impostos é quem acaba desembolsando para “dar um jeito” naquilo que não se consegue reciclar. Isso significa que aquilo que a indústria não se responsabiliza, nós é que pagamos para destinar a aterros de resíduos. Ah, e para pintarem de boazinhas, as marcas sempre estampam selos nas embalagens dizendo que o material é reciclável. Algumas ainda colocam um ser humano ao lado de uma cesta de lixo.
Esse e outros assuntos foram abordados na 11ª edição do Seminário Cidade Bem Tratada, realizado todos os anos no auditório do Ministério Público Estadual. Este ano, o evento, realizado nos dias 8 e 9 de maio, tratou de temas como resíduos sólidos, Soluções Baseadas na Natureza e cidades inteligentes. A iniciativa serve para mostrar novidades na área ambiental e, também, para evidenciar o quanto há de avanços e retrocessos na atual conjuntura.
Como acompanho o evento há alguns anos, percebi que este ano o seminário contou com menos participantes ao vivo e a cores. Também foi transmitido pelo canal do YouTube do evento. Confesso que fiquei incomodada com o que vi e ouvi por vários motivos. Em especial pelo pouco caso que a prefeitura de Porto Alegre fez do debate. Pela primeira vez, segundo o organizador Beto Moesch, o prefeito e/ou secretário de Meio Ambiente do município não estiveram presentes. Pior: na mesa sobre resíduos sólidos, nenhum representante do DMLU estava sequer na plateia. Creio que o formato do evento precisa ser reinventado também.
Das mesas, a mais empolgante e que teve intensa participação do público, foi a sobre resíduos sólidos, no primeiro dia. Não sei se você sabe, mas quanto mais se empregam matérias-primas diferentes em uma embalagem, mais difícil ela é de ser reciclada. Uma das mais complicadas, que, pelo menos em Porto Alegre não se consegue enviar para reciclagem, porque não tem quem compre, é o chamado BOPP – aquelas embalagens barulhentas de salgadinhos, prateadas por dentro. O moderador da mesa sobre resíduos, o professor da Unisinos Carlos Moraes, destacou que o BOPP chega a 80% dos rejeitos (aquilo que não se consegue vender, que está contaminado como papel higiênico usado, por exemplo) de Unidades de Triagem (UTs). A composição desses saquinhos contém titânio (uau) e alumínio. “Essas embalagens deveriam ser recicladas como fontes de titânio e alumínio, não de plástico”, alerta o professor.
Da plateia, Alex Cardoso, antropólogo e catador da coordenação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, salientou que a conta não fecha ao colocarmos no papel o quanto a prefeitura de Porto Alegre gasta com o gerenciamento dos resíduos. “Porto Alegre gasta R$ 2 milhões por mês para mandar para o aterro e R$3 milhões para enterrar por mês, enquanto dá R$5 mil por mês para uma Unidade de Triagem”. Ele defende que os catadores, que hoje recebem pelo que conseguem comercializar, sejam remunerados pelos Serviços Ambientais que prestam à sociedade.
Nas visitas às UTs, constatei que as catadoras (grande parte são mulheres) empregam muito tempo na separação dos materiais. Isso quer dizer que elas estão trabalhando para que seja enviado menos resíduos para o aterro. No entanto, elas somente recebem pelo que é comercializável. No caso de Porto Alegre, o destino é Minas do Leão, onde ficava uma antiga mina de carvão, a cerca de 100km da capital. Imaginem quanto se emite de gás carbônico por dia só para levar nossos rejeitos para lá? São centenas de caminhões caçamba por dia.
No debate, ficou claro que o mercado não está dando conta de resolver todos os desafios que envolvem a produção de resíduos. A promotora Annelise Steigleder reiterou que o contrato estabelecido pela gestão Marchezan com as cooperativas foi horrível para as comunidades, precisa ser alterado pela atual Administração. Ela enfatizou o quanto falta articulação entre os setores para a busca de soluções para questões como a política tributária e o custo elevado da matéria-prima reciclada. E o Rio Grande do Sul precisa regulamentar a sua política para a logística reversa.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Vidro Lucien Belmonte chegou a dizer que o Brasil precisa de “duas Gretas” (referindo-se a ativista climática Greta Thumberg) para chamar a atenção dos problemas envolvendo resíduos sólidos. O vidro, apesar de ser eternamente reciclável, enfrenta muitas dificuldades para ser reciclado. Ele afirma que para muitas prefeituras do País o maior gasto é justamente com a gestão de resíduos. Confira a entrevista aqui. Ele dá declarações instigantes, como a que afirma que o Brasil chega a importar vidro da Bélgica para poder reciclar porque aqui não se valoriza a matéria-prima. Diz ainda que Porto Alegre tem uma legislação permissiva quanto aos resíduos.
Ou seja, se você, assim como eu, se incomoda em ver tanta sujeira pelas ruas, contêineres com a porta arrombada com catadores informais “minerando” para achar recicláveis, embalagens com designs só bonitos e nada sustentáveis, lhe convido para refletir: por que as prefeituras não fazem campanhas de educação ambiental? Por que não há uma preocupação em diminuir o volume de rejeito que vai para o aterro? Por que o resíduo orgânico não é aproveitado nos próprios municípios para hortas comunitárias (Florianópolis tem uma experiência inspiradora com baldinhos)? Por que a maior parte das pessoas ainda não separa seus resíduos? Se a Política Nacional de Resíduos Sólidos diz que a responsabilidade é compartilhada, quem fiscaliza o cumprimento da legislação?
Uma das soluções para todo esse contexto é você votar em candidatos que se preocupem com esse assunto além dos seus anos de mandato. Afinal, ao mesmo tempo que surgem novos tipos de embalagens, fica mais caro tratar dos resíduos, há menos lugares próximos dos grandes geradores para o destino e não adianta só queimar: pois o que some da nossa frente vira milhões de partículas que depois vamos respirar. Está tudo interligado.
Por tudo isso que eu louvo iniciativas de lojas e supermercados que estão deixando de usar plásticos. Ah, e nesse ano, o Cidade Bem Tratada disponibilizou copos retornáveis para o público tomar água. O cenário exige um esforço coletivo e individual. E o consumidor tem um poder enorme em contribuir na melhoria da qualidade de vida e reduzir a produção de supérfluos.
No meu perfil no Instagram @silmarcuzzo há várias entrevistas com painelistas do evento. Confere lá!