Fazer o bem, sem olhar a quem é um dos propósitos do Brasil sem Frestas
Tem gente que tem procurado deixar o mundo melhor do que está. Apesar de tudo. Sou do time daquelas que acreditam que sempre dá para se fazer algo para doer menos as mazelas da vida (minha e dos outros). Razões para reclamarmos do estado das coisas não faltam. Mas o que adianta ver e ficar exclamando que o copo está meio vazio? Quando bate aquele desespero de vermos tantas coisas que poderiam ser melhores, como ganância por poder, falta de eficiência da governança, destruição da natureza etc, procuro valorizar as ações de quem está se empenhando em deixar o mundo melhor. A tal das ideias para adiar o fim do mundo, como chamou o líder indígena Ailton Krenak.
No final de semana passado, um grupo de voluntários, na verdade a maior parte voluntárias, encarou um desafio que está fazendo a diferença na vida de famílias da periferia e de uma aldeia indígena de Porto Alegre. O pessoal participou de uma atividade da ONG Brasil sem Frestas. O grupo forrou seis casas que estavam cheias de buracos (daí o nome sem frestas) com caixas de leite de Tetrapak (tetra por ter papel+papelão+plástico+alumínio).
Pois vejam só… como simples caixas de leite que grande parte das pessoas dispensa (acabam indo para o aterro sanitário, para lixões) viram uma solução inusitada quando reaproveitada. E vale lembrar que ser reutilizada é muito melhor para o ambiente, para a economia, para as pessoas do que ser reciclada. E mais: em tempos de crise climática, eventos extremos é uma bela forma de melhorar o conforto térmico de moradias vulneráveis.
Entre os participantes da empreitada estavam alunos da cadeira de Gestão Socioambiental da graduação em Administração da UFRGS. Gabriela Buckup, adorou a ideia do professor Luis Felipe Nascimento (o mesmo que é colunista aqui da Sler). “Foi excelente, fomos de van, o pessoal nos recebeu super bem. Foi um trabalho gratificante, mas cansativo, que exigiu esforço físico. Quem morava ali ficou feliz,” comenta a estudante.
Outra aluna do curso, Eduarda Redecker Schwabe, diz que o resultado do trabalho pode ser sentido na hora da execução. Na chegada, sente-se o frio entrando entre os buracos, que estão nas paredes, no teto, no piso. E a partir que as placas de Tetrapak vão sendo colocadas, já se percebe a diferença na temperatura. O ambiente vai ficando mais acolhedor, à medida que o ambiente vai sendo vedado. “Foi uma experiência transformadora. E a gente percebe o quanto é fácil ajudar. Para mim também serviu para desmistificar o trabalho voluntário. O pessoal já tinha os materiais e mostrou o quanto a experiência é tão boa para quem faz, quanto para quem é beneficiado,” conclui Eduarda.
A aplicação aumenta a temperatura consideravelmente dentro de casa e ainda e serve como isolante do calor no verão. E ao reutilizar o que seria um resíduo, várias pessoas são beneficiadas e aumenta a vida útil de algo que seria descartado.
A arquiteta Fernanda Drebes estava cheia de coisas para fazer no final de semana. Mas não deixou de lado a forração durante sábado e o domingo. “Fui mais por mim do que por eles”, avalia. “Precisava estar lá”, pois confessa que faz muito bem para sua cabeça quando se concentra na forração. Ela é uma das voluntárias do BsF (sigla da organização) em Porto Alegre. Conheci Nanda, como é chamada, no POA Inquieta. Ela se dedica em conseguir a matéria-prima para que o trabalho do BsF seja executado. Ela atua em condomínios, recolhendo as caixas que podem ser reaproveitadas e também recebe doações de amigos.
O processo de reutilização
A montagem é a última fase do processo, antes há muito a ser feito. Primeiro, que nem todas as caixas de Tetrapak são usadas pelo BsF, devido ao padrão e ao método de construção empregado. Um detalhe importante é que o material precisa estar bem limpo – o ideal é que tenha sido lavado logo após o uso – para que não fique cheiro depois.
Para limpá-las, pode-se colocar um pouco de água e detergente. Depois disso, as embalagens devem ser cortadas, como na foto a seguir, e podem ser guardadas para ocupar menos espaço.
Como é preciso um número significativo de caixas, privilegia-se as caixas de leite de vaca, em detrimento as de suco ou outros tipos de bebida. Em média, uma casa leva 1.440 caixas (iguais), cerca de 120 placas formadas por 12 caixas. As embalagens que o BsF consegue reutilizar são das marcas Parmalat, Elege, Santa Clara, Dália e Italac.
Na próxima etapa, as voluntárias e voluntários costuram as superfícies com fios de nylon com máquina de costura industrial formando uma manta. Nanda calcula que o grupo tenha cerca de 30 pessoas e que está sempre precisando de gente para ajudar: seja para arrecadar caixas, para costurar, para buscar material em algum lugar, para aplicar nas casas e até mesmo para localizar gente que está precisando do serviço.
Ela conta que certa vez, uma voluntária de maior poder aquisitivo quis pagar para alguém para fazer o serviço. Daí ela explicou que esse não é o propósito da organização. “Ela queria ajudar em dinheiro, então o grupo sugeriu que ela pagasse o transporte de alguns voluntários até as casas que seriam trabalhadas”.
A idealizadora dessa iniciativa tão bacana é Maria Luiza Camozzato, de Passo Fundo. O BsF tem 14 anos e em Porto Alegre, funciona há dois anos. No total, já foram forradas cerca de 160 casas. Há grupos de voluntários em outros municípios do RS e de outros estados.
Se você quer ajudar de alguma forma o Brasil sem Frestas, entre em contato pelas redes sociais Facebook e Instagram: @brasilsemfrestaspoa e @brasilsemfrestas (fora de Porto Alegre).
Saiba mais
Neste vídeo do You Tube do Manual do Mundo há uma demonstração do quanto esse material pode ser utilizado no conforto térmico de moradias.