No dia 25 de junho, um grupo de professores se reuniu no Centro Cultural da UFRGS para debater os rumos de tudo que envolve o ensino, a aprendizagem, a comunidade escolar do município de Porto Alegre.
As participantes entendem que estamos diante de alguns limites que necessitam com urgência de um olhar muito atento: um deles é o desmonte, a precarização e desvalia da educação em geral.
Outro ponto limite que as move, é a crise climática e este novo momento que a humanidade necessita repensar seu modo de vida e desenvolver estratégias individuais e coletivas para este enfrentamento. Para o grupo, já estamos na contramão deste processo, principalmente devido ao modelo atual de sociedade que vê a natureza como mais um item de consumo.
Manifesto de Lançamento
Fórum de Educação Ambiental em Porto Alegre
Após cerca de 50 anos de debates, avanços, programas, projetos envolvendo a temática da Educação Ambiental (EA), temos vivenciado nos últimos tempos o descaso, o descompromisso e principalmente o desmonte de inúmeras conquistas da EA por parte da administração pública.
Os processos de institucionalização da EA no âmbito da educação ambiental formal, deveriam estar no bojo das ações e programas desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Educação da capital, e também do estado, conforme preconiza a legislação.
Pontuamos aqui alguns dos momentos da construção da legislação sobre educação ambiental no Brasil:
Em 1973 foi criada, no nível federal do poder público, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), tendo sido responsável inicialmente pela sensibilização da população em relação às questões ambientais. A partir daí, com a criação da Política Nacional de Meio Ambiente PNMA, passamos a ter a institucionalização da EA, que estabeleceu no âmbito legislativo a necessidade de inclusão da Educação Ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino, incluindo a educação da comunidade, para sua participação ativa em defesa do meio ambiente.
Em 1999, foi criada a Lei Federal 9.795/99, que determina:
“CAPÍTULO I – DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Art. 2o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.
Art. 3o Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: I – ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;
II – às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem;
III – aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;”
O Decreto 4285, de 25 de junho de 2002 – Regulamenta a Lei 9795/99
“Art. 1º A Política Nacional de Educação Ambiental será executada pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, pelas instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, pelos órgãos públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, envolvendo entidades não-governamentais, entidades de classe, meios de comunicação e demais segmentos da sociedade.”
Tivemos também neste período, a criação do Órgão Gestor de Educação Ambiental, integrando Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Educação, sendo uma destas ações, o programa Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas, uma grande mobilização nacional que acontece com a formação de professores e o processo de Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente nas escolas do Brasil, resultando no fortalecimento da EA nas escolas, inclusive no ensino superior.
No município de Porto Alegre, que já foi inovador nas questões de cuidados com o meio ambiente, tínhamos, até poucos anos atrás, um setor ou núcleo de EA em cada Secretaria, os quais se organizavam em um Comitê Gestor de Educação Ambiental (CGEA – Decreto 15.588/2007). Vimos nos últimos anos um retrocesso tamanho, que nem mesmo na Secretaria de Educação existe tal setor e, portanto, não se cumpre o referido decreto, que continua em vigor.
Infelizmente o que temos vivenciado da gestão pública é indiferença, negação e desmonte do que já se teve em termos de EA em escolas. Além do descaso, denota ilegalidade, pois não há sequer um profissional de referência para essa temática na SMED que articule a EA junto às escolas da rede municipal de ensino.
Algumas considerações são necessárias para contextualizar a EA no tempo e em sua importância histórica na educação:
Considerando os inúmeros projetos e ações de EA que algumas escolas municipais vêm realizando junto às comunidades escolares, mesmo sem apoio da mantenedora para isso, como o LIAU (Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano das Escolas), Horta escolar e algumas oficinas que envolvem a comunidade escolar,
Considerando que muitas hortas escolares e algumas hortas comunitárias, oferecem apoio e atividades voltadas à educação ambiental, bem como a releitura dos espaços comunitários,
Considerando que atualmente a rede de ensino não tem mais formação continuada de EA, nem espaços de trocas entre as escolas para fortalecer e animar a rede de EA na cidade,
Considerando que a EA tem uma longa trajetória de lutas, conquistas já traduzidas em legislação, vide Lei Federal n 9795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, construída pelas/os educadores ambientais,
Considerando a necessidade urgente de políticas públicas em EA diante do desafio posto das catástrofes climáticas e das necessárias mudanças de atitudes individuais e coletivas da população nas cidades frente a essa realidade,
Considerando a instituição emergencial do Programa Cidades Verdes Resilientes – PCVR pelo governo federal (Brasília, 5 de junho de 2024), que tem como objetivo de aumentar a qualidade ambiental e a resiliência das cidades brasileiras, diante dos impactos causados pelas mudanças do clima, por meio da integração de políticas urbanas, ambientais e climáticas, do estímulo às práticas sustentáveis e da valorização dos serviços ecossistêmicos do verde urbano,
Considerando a existência de Leis que corroboram a necessidade e urgência de promover a EA junto às escolas e comunidades de Porto Alegre, no sentido de apoiar ações e projetos já existentes e outros que as escolas e comunidades queiram realizar,
Resolvemos criar coletivamente o Fórum de Educação Ambiental de Porto Alegre, de forma participativa, plural, democrática e inclusiva para animar, apoiar, instrumentalizar, empoderar, divulgar, promover e produzir conhecimentos de forma a qualificar e transformar a vida na cidade através de ações, projetos, e estudos a fim de apoiar as políticas públicas que promovam a sócio biodiversidade que compõe a sociedade.
Entendendo o papel democrático, propositivo, participativo deste espaço de construção coletiva, o FÓRUM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE PORTO ALEGRE, tem como objetivos;
- Estudar, fortalecer, acompanhar e avaliar a implementação das políticas Nacional, Estadual e Municipal de Educação Ambiental
- Disseminar informações e conhecimentos científicos acerca da temática da EA junto ao coletivo frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas.
- Promover a troca de saberes e experiências entre o coletivo de educadores/as ambientais, a fim de fortalecer e enriquecer a práxis em EA na rede pública de educação e os diversos territórios educativos da cidade.
- Oportunizar momentos de releitura da paisagem, com vistas a desnaturalização do olhar e sensibilização dos sentidos, promovendo o “letramento ecológico” durante as práticas pedagógicas cotidianas.
- Articular no coletivo de educadores novas epistemes e práxis pedagógicas em EA que se inspirem na diversidade de saberes, na complexidade do pensamento ambientalista engajado, na educação libertadora e na ecologia decolonial a fim de construir referenciais e práticas que dialoguem com a realidade que se avizinha e seus desafios, sobretudo junto às comunidades periféricas nas quais o coletivo atua.
- Empoderar e vincular os/as educadores/as ambientais junto às suas comunidades, produzindo ambiências para um fluir de saberes trocados capaz de fortalecer a ação individual e coletiva na promoção do bem viver das comunidades escolares, para além de seus muros.
- Dar visibilidade aos projetos e ações em EA das escolas com vistas a sensibilizar as direções e gestores do poder público a fim de amplificar seu alcance e sua capacidade de transformação social.
- Propor atualizações dos Projetos Político – Pedagógicos (PPP’s) das escolas frente aos desafios socioambientais que se apresentam, assim como as mudanças climáticas, encharcando de sentido e compromisso os mesmos. Neste contexto, vincular a participação popular, costurando engajamento entre as diversas áreas do conhecimento acadêmico aos saberes orgânicos, da comunidade.
- Posicionar a EA no coração do currículo escolar, na promoção da vida, humana e não humana, integrada à complexidade territorial a que está inserida. Dessa forma, sempre que possível, transpor sua atuação para além do espaço escolar, a fim de contribuir na promoção da educação não-formal, nos diferentes territórios que compõem a sua comunidade.
- Propor e refletir junto à gestão pública, redimensionamentos e adequações das áreas escolares, através de soluções sustentáveis, com vistas a otimizar os bens naturais disponíveis nos espaços escolares como: ventos, águas, terrenos para plantio e o que mais a região possa oportunizar, favorecendo uma gestão integrada local e incorporando conceitos da Permacultura, Bioconstrução e Agroecologia nas ações.
- Articular e envolver movimentos sociais e demais organizações civis da cidade nas ações e projetos pautados por este Fórum na cidade.
Tendo em vista os objetivos acima apontados, o Fórum de EA, segue aberto ao engajamento de todas as pessoas que atuam em educação ambiental na cidade, de forma intensificar as ações em educação para construir estratégias de resiliência frente aos desafios das emergências climáticas, por meio do diálogo intercultural entre os saberes científicos e as sabedorias ancestrais em defesa da vida.
Porto Alegre, 25 de junho de 2024.
Assinam o presente manifesto:
- André Furtado – POA Inquieta
- André Puente – Empresa Arvoredo – Consultoria em Arboricultura
- Annelise Barreto Krause – SMS/POA
- Aurici A. da Rosa – Instituto ECOA
- Barbara Rodrigues – UFRGS
- Catiana Quadros da Silva – SMED/POA
- Clarice Oliveira – PROPUR/UFRGS
- Claudia Maria da Cunha – SMED/POA
- Claudia P. Aristimunha – Museu da UFRGS
- Cláudia Reischak Oliveira Dias
- Cristiane Jung Abarno
- Cynthia Bairros Tarragô Carvalho – SMED/POA
- Daiane Doro – SMED/SL
- Deise Cristina Alves Marinho – EMEB Dr Liberato Salzano Vieira da Cunha
- Diego Esteves – PPGEDU/UFRGS
- Dulcimarta Lemos Lino – UFRGS
- Emerson Mota Campos – EMEB Dr Liberato Salzano Vieira da Cunha
- Emilena Lima Prauchner – EMEF Lauro Rodrigues
- Fernanda Paulo – AEPPA
- Fernanda Sequeira
- Graziele Gonçalves – ABLUMI/CCMQ
- Helena Beatriz Moreno Velazquez – Educadores Ambientais de Porto Alegre
- Hilário Bichels – SMED/POA
- Inês Martina Lersch – UFRGS
- Jader Cardoso Santini – SMED/SL
- Jaqueline Moll – UFRGS
- José Luis Machado – UFRGS
- José Vicente Robaina – UFRGS
- Julio Konrath – PGPD/UFRGS/Cátedra
- Liana Borges – Café com Paulo Freire
- Liliane Ferrari Giordani – UFRGS
- Linda Naura Macedo Silva – CMET Paulo Freire
- Luciana Bettoni
- Marcia Menegat – UFRGS
- Marcelo de Burgues – SMED/POA
- Marcos Caetano Corrêa – PMPA – Cidade Educadora
- Maria Carmen S. Bastos – InGá
- Maria da Glória Lopes Kopp
- Maria Eunice Jotz – UFRGS
- Maria Zeli Maia Ristoff
- Miguel Aloísio Sattler
- Miriam Pereira Lemos –
- Rafael Arenhaldt – FACED/UFRGS
- Renata de Matos – SMED/SL
- Ricardo Pithan – UFSC
- Rosa Maris Rosado – IPOMEA
- Rualdo Menegat – IGEO/UFRGS
- Russel Teresinha Dutra – Professora FACED/UFRGS
- Teresinha Sá Oliveira – Crias de Gaia
- Tomás Rech da Silva – SMED
- Valentina P. Filomena – Estudante Geografia
- Vanja Vasconcelos Pereira – COOHATEPA