Redes de apoio para enfrentar crise climática

Em tempos de emergência climática, saber viver em comunidade é algo crucial. Para isso, cultivar boas relações e ter uma rede de amigos e conhecidos faz diferença.

Nesses tempos de extrema individualização, estimulada pela correria do dia a dia e de cada um cuidando da sua tela, o contexto climático – a ocorrência de eventos extremos – nos obriga a rever conceitos e comportamentos. Não só com relação  à necessidade de ampliarmos nossa percepção dos riscos que nos cercam, o que inclui acompanhar a previsão da meteorologia. Hoje é fundamental estreitarmos laços, estabelecermos relações de confiança, por uma questão de sobrevivência.

Em tempos de emergência climática, saber colaborar, viver em comunidade é algo crucial. Para isso, cultivar boas relações e ter uma rede de amigos e conhecidos faz uma baita diferença. Vivi várias situações durante a enchente que comprovam o que estou escrevendo. Cresci numa cidade do interior, numa rua onde os vizinhos se ajudavam mutuamente. Aqui em casa, é algo natural emprestar ferramentas, atender as vizinhas que pedem açúcar ou um limão. Ajudar, viver em sociedade, requer que uns auxiliem aos outros. É uma questão de fluxo, de energia: tudo que vai, volta.

Quem ficou sem eletricidade, sem água e ilhada durante vários dias sabe bem o que isso significa. Trato desse assunto depois de ouvir e ver histórias de amigas e conhecidas que enfrentaram perrengues com a falta de energia elétrica em São Paulo. Tiveram que procurar algum lugar para tomar banho, passaram por sacrifícios impensáveis. Tudo isso e muito mais, nós, no Rio Grande do Sul, temos passado nos últimos anos. Especialmente neste 2024, que teve boa parte da Região Metropolitana destruída pela enchente.

Milhões de paulistanos foram prejudicados recentemente pela falta de capacidade de uma empresa de energia em dar conta de tamanha demanda provocada por quedas de árvores, galhos, entre outros estragos devido aos fortes ventos. Incontáveis negócios foram afetados, comidas estragadas por falta de refrigeração, caos na cidade e prejuízos incalculáveis. Um amigo estava comentando que o apartamento da sua mãe em São Paulo foi um dos poucos edifícios que ficou com uma fase de luz funcionando. E que isso gerou uma movimentação da vizinhança que pedia favores por ela estar com energia. É um exercício de humildade saber pedir para tomar banho na casa de um conhecido. Também é essencial termos compaixão com aqueles que estão vivendo uma situação que poderá vir a ser a nossa logo à frente.

A adaptação aos impactos de quem fica sem luz, sem condições mínimas para exercer suas atividades, deve vir acompanhada por ações e intenções de uma genuína compreensão de que estamos todos no mesmo barco. Se hoje o cara que mora ao lado está sem energia, amanhã posso ser eu.

Nós, na Capital gaúcha, ultimamente, temos tido frequentes faltas de energia depois da privatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica, a conhecida CEEE. A estatal foi vendida pelo governo Leite para o grupo Equatorial. E junto com o leilão também foi o bom senso da empresa, que mandou embora quase todos os funcionários que sabiam de todos os processos para o seu funcionamento. A empresa não quis ouvir equipes, funcionários de muitos anos que conheciam todos os meandros da companhia.

Durante a enchente de maio desse ano, aconteceram várias situações que merecem ser estudadas, conhecidas, as quais evidenciaram a importância de se unir esforços para se encontrar soluções em grupo. Um prédio próximo ao meu, no Menino Deus, com 74 apartamentos, ficou com todo seu térreo alagado. No entanto, como muitos moradores tinham pets, sete ficaram no prédio para cuidar dos animais, entre eles, 22 gatos. Essa história é tão rica e interessante, que vou usar a coluna da semana que vem para contar o que foi a experiência.

Se estamos num contexto histórico de tantos desafios complexos, incluindo dificuldades de governos em apontar soluções, é imperativo que encontremos saídas para driblar as dificuldades entre nós, simples mortais.

Há casos complicados, como o que está acontecendo com os bugios, uma espécie de primata nativo que vive na zona Sul de Porto Alegre e Viamão. Só nesse ano já houve 17 indivíduos eletrocutados, fiquei sabendo esses dias. Os prestadores de serviço, os terceirizados da CEEE Equatorial, não têm isolado os fios em áreas com presença do animal. Fiz algumas reportagens sobre isso para o ((ECO)). Confira aqui.

Apesar de a Justiça gaúcha ter determinado que a empresa tome providências, na prática, há muita enrolação. Envia advogados que não têm familiaridade com o caso. Utiliza recursos que demonstram pouco interesse em encontrar uma solução para evitar novos acidentes. Coisa que, no passado, os episódios de morte, amputação de algum membro ou ferimentos em órfãos, entre outras situações trágicas, chegaram a zerar devido a uma série de medidas que a CEEE adotava.

Mesmo com tudo que passamos, inclusive antes desse ano trágico de 2024, nenhuma vez o chefe do executivo do Rio Grande do Sul chegou a dizer que o contrato deveria ser revisto ou que a empresa não estava atendendo à população com qualidade. Escrevo isso, porque o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, declarou à imprensa que a Enel poderia ter seu contrato suspenso.

O que escrevi acima é só para lembrar que é bem provável que novas interrupções de energia, de falta de água etc. poderão acontecer novamente. Pois na hora de debater quem é o responsável pela manutenção da rede acontece aquele velho jogo de empurra-empurra. E aí, nessa briga do rochedo com o mar, os mariscos é que levam a pior. Por isso, reforço: exercitar a empatia, a colaboração e o respeito mútuo é um caminho para se preparar para futuros desafios impostos pelos problemas em grandes centros.

Foto da Capa: Acervo da Autora
Todos os textos de Sílvia Marcuzzo estão AQUI.

Texto originalmente publicado na SLER

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