Eventos com diferentes mobilizações da sociedade mostram o quanto precisamos estar atentos às transformações que nos cercam
Nas últimas semanas estive em eventos que me fizeram refletir sobre o quanto precisamos repensar e implantar sistemas de educação, de disseminação de práticas cidadãs. Mais do que isso. É determinante para o nosso destino a população não só comparecer, mas saber participar de reuniões, debates, audiências. Saber ouvir, argumentar, entender como os processos de conquistas da sociedade civil funcionam.
Depois de tudo que passamos nos últimos anos, é fundamental que o governo federal estabeleça formas de aprendizagem para uma cultura cidadã, alinhada às novas tecnologias. Há vários temas que necessitam urgentemente de atenção. Noções básicas de educação climática, socioambiental, consumo consciente, universo digital, enfim, há uma lista grande de assuntos. O mundo mudou muito rápido em pouco tempo. Principalmente nesses temas mais contemporâneos, tem muita coisa que precisamos aprender para transitar com lucidez no contexto de permacrise.
Mas hoje vou me deter em algo que considero essencial: a participação e a mobilização pelo bem comum. Durante a edição deste ano do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, estive no encontro do Fórum de Agricultura Urbana e Periurbana. Com o auditório do Memorial da Assembleia Legislativa do RS lotado, no dia 25 de janeiro, gente de vários lugares, mas principalmente de Porto Alegre e Região Metropolitana, contaram vários aspectos sobre a relevância das hortas comunitárias. Também participei de uma audiência pública para mudança do Plano Diretor de Xangri-lá, onde veraneio há muitos anos. Lá, sinto a dor e a delícia de se viver em um balneário em crescimento exponencial de negócios.
São duas situações diferentes, mas que têm um denominador comum: ambas têm como requisito básico a mobilização da sociedade civil. No FSM, dia 25 de janeiro, encontrei muita gente engajada, que acredita estar no caminho para a construção de ‘um outro mundo possível”. Já na audiência do plano diretor, realizada dia 13 do mesmo mês, me deparei com uma expressiva movimentação de operadores imobiliários interessados em expandir as edificações no município. Xangri-lá é superavitário devido ao alto valor de seu IPTU. Também é comum encontrar cartazes nos estabelecimentos oferecendo vagas de trabalho.
Em síntese, enquanto uns estão preocupados com o bem comum da coletividade com uma visão sistêmica, outros defendem seus pontos de vista considerando os seus interesses. Em um espaço pequeno do plenário da Câmara de Vereadores, a maior parte dos ocupantes vestia uma camiseta azul marinho com letras brancas com a mensagem: Sou morador, apoio o novo plano diretor. Achei bem estranho que a audiência começou às 16h e até quase 21h30 simplesmente foi lido o projeto técnico da prefeitura. Nem um Power Point simples foi apresentado sobre os principais pontos de mudança.
Na audiência, algumas moradoras preocupadas com o destino dos balneários e uma representante da Associação Gaúcha de Preservação do Ambiente Natural (Agapan), levaram um documento assinado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, seccional RS, com uma análise da proposta disponibilizada pela prefeitura. Uma das ideias da atual gestão é permitir a construção de edifícios de até 14 andares em duas áreas: onde ficava o Hotel Xangri-lá e a Colônia de Férias do Banrisul, em Rainha do Mar.
Já foram realizadas outras audiências. No entanto, nem todas foram retransmitidas ou gravadas. E elas só existem porque a legislação exige. Vale lembrar que a construção de leis, boa parte das vezes, leva tempo e depende da mobilização da sociedade. Naquela sexta à noite, ficou nítido o quanto a plateia desconhecia como participar da audiência. Um senhor chegou ao ponto de dizer: levantem o braço quem é a favor. E depois sentenciou: viu, a maioria quer o novo plano diretor.
Para um município que tem apenas 12% do seu esgoto destinado ao tratamento é temerário se aprovar mudanças sem considerar a capacidade de suporte da região. O solo do nosso litoral, a planície costeira, é extremamente sensível, pois é muito recente sob o ponto de vista geológico. Para se ter uma ideia, até uns cinco mil anos atrás, as ondas do mar batiam no Morro Alto, em Osório.
Hortas são espaços de convivência
Durante o Fórum de Agricultura Urbana e Periurbana, senti o quanto as hortas comunitárias são excelentes oportunidades para o exercício da cidadania e da participação. Inclusive, durante a pandemia, os locais onde a comunidade organizada contava com uma horta conseguiram superar melhor as adversidades. Vale conferir o texto publicado aqui na Sler que conta um pouco da história da horta comunitária da Lomba do Pinheiro.
O auditório do Memorial da Assembleia Legislativa lotado demonstrou o quanto esse tema tem mobilizado principalmente comunidades periféricas. Entrevistei alguns participantes da atividade, confira aqui. Vale demais assistir o recado que as mulheres deram no Fórum. A reunião foi gravada e pode ser acessada na fanpage do Faupoa aqui.
A reunião também serviu para chamar a atenção da necessidade de se valorizar mais instâncias de democracia participativa como conselhos e comitês. Mesmo com uma certa “garantia” de existência, os conselhos têm sofrido bastante devido a interferência de governos. Esses espaços com representatividade de vários segmentos da sociedade, de distintos setores precisam ser mais respeitados e também dispor de membros capacitados e atuantes.
Como neta e filha de descendentes italianos, que cresceu comendo o que a horta dava, saí do evento ainda mais convencida de que esses espaços proporcionam múltiplos benefícios para todos. Reforça os laços sociais e pode ser um ótimo local para práticas educativas formais e não formais. Além disso, sem veneno, os hortifrutis são mais saudáveis. São sustentáveis, pois ao consumirmos o que é produzido próximo de casa, evita-se a emissão de CO2 pelo transporte, ou seja, diminui a pegada de carbono. Sem contar que os resíduos orgânicos da cidade ainda poderiam servir de adubo, diminuindo assim o gasto com envio de rejeitos para o aterro sanitário.
As hortas trazem soluções para vários problemas dessa nossa vida desatenta. Precisamos sair das telas e colocar a mão na terra.
Atesto e assino embaixo o quanto isso faz uma baita diferença. Mesmo morando em apartamento, eu cultivo flores, ervas, folhagens, frutíferas e tomates. É difícil explicar o sentimento e o sabor de comer aquilo que plantamos, cuidamos e vimos crescer. Ao nos aproximarmos da natureza percebemos o quanto cada elemento participa na teia da vida. E por isso mesmo, que para vivermos com qualidade de vida na sociedade é fundamental saber participar.