Caminhamos para um dos maiores desastres do Rio Grande do Sul. Muitas dúvidas, inquietações me assolam. Diante de cenários aterradores é fundamental que saibamos fazer perguntas
Enquanto escrevo este texto, milhares de pessoas da região onde nasci estão desabrigadas. O número de mortos aumenta a cada hora. Dessa vez, tem tudo para ser o maior desastre, chamado de natural, de todos os tempos no Rio Grande do Sul. E mesmo com tudo que passamos o ano passado, parece que ninguém aprendeu com as desgraças. Faz tempo que os cientistas daqui, de outros estados e países vem alertando que o Estado está em uma das regiões de maior ocorrência de desastres no mundo.
Como inquieta, jornalista que procura acompanhar esse tema, e, agora também pesquisadora sobre comunicação e clima (comecei mestrado na Famecos/PUCRS e estou integrando o recém-criado Grupo de Pesquisa sobre Comunicação, Crise e Cuidado, que inclui pesquisadores que desejam melhorar a comunicação pública relacionada à crise climática) apresento uma postagem diferente das demais. Farei perguntas. Quem irá responder ou se irão se preocupar em me atender, pouco importa.
Embora desconfie de algumas respostas, vou dar uma de ingênua e indagar coisas cuja conclusão pode parecer óbvia, para quem acompanha os fatos. Diante da cobertura da mídia de tanta desgraça, que foca mais na tristeza e na história de pessoas comuns, talvez esse texto ajude colegas a formularem melhor o que indagar. Também pode colaborar para que os leitores e leitoras percebam o quanto estamos à mercê de governantes que pouco valorizam a transparência e a prestação de contas à população.
Se já é sabido e notório que vivemos uma crise climática, que os eventos extremos serão cada vez mais frequentes, por que os governos – estadual e municipais – não adotaram medidas de prevenção antes das desgraças acontecerem? Se a Metsul já tinha anunciado desde a semana passada que teríamos volumes absurdos de precipitação, por que as Defesas Civis do Estado e dos municípios não se prepararam?
- Por que o governo não adota o planejamento territorial considerando as bacias hidrográficas?
- Será que os prefeitos, os secretários municipais e demais autoridades tiveram aulas sobre a geografia, a fisionomia do Rio Grande do Sul?
- Por que os técnicos concursados dos órgãos de fiscalização e controle ambiental não são consultados ou envolvidos nas ações de prevenção?
- O que o governo do Estado fez de concreto para evitar ou minimizar os estragos dos desastres, além de ter anunciado a criação do Pro Clima?
- Por que as instâncias de participação da sociedade civil, como conselhos de meio ambiente, comitês de gerenciamento de bacia não são chamados para elaborar estratégias em conjunto com os governos?
- Há muita gente de dentro do governo que não acredita em crise climática?
- Onde estão e o que dizem os parlamentares que ajudaram a desmontar o Código Estadual do Meio Ambiente sobre esses desastres?
- Será que o colete da Defesa Civil dá algum superpoder para chefes do executivo?
- Quanto foi gasto na comunicação, na educação para prevenção, adaptação e mitigação?
- Por que os principais porta-vozes para dar informações não são profissionais da própria Defesa Civil?
- Quantos servidores do Estado tem capacitação, treinamento e cursos para atuar na prevenção e atendimento a desastres?
- Por que os coordenadores da Defesa Civil de municípios são cargos de confiança?
- Por que deputados, vereadores, parlamentares e muitos chefes do executivo apoiam projetos que agravam os impactos de enchentes e enxurradas, como o PL recentemente aprovado e sancionado pelo governo que permite a construção de barragens em Área de Preservação Ambiental (APP)?
- Por que tanto a prefeitura de Porto Alegre como o governo do Estado impedem que os servidores do quadro deem entrevistas?
- Por que a assessoria de imprensa da Sema/Fepam retorna as demandas de imprensa somente através de notas e com respostas vagas, muitas vezes sem abordar o que foi realmente perguntado?
- Por que o Ministério Público Estadual não é mais incisivo com relação ao descumprimento da legislação pelo governo Estadual?
- Será que depois que o presidente Lula viu de perto o estrago provocado por eventos extremos, seu governo vai continuar insistindo na exploração de petróleo na marguem equatorial?
- Por que não se valoriza os funcionários públicos para que queiram e saibam agir durante desastres em pontos distantes do Estado?
- Por que não há fiscalização, campanhas para a conservação de matas ciliares, contra a ocupação de encostas?
- Por que há tantos interesses do agronegócio em flexibilizar, destruir com a legislação ambiental se sem a natureza preservada eles não conseguirão produzir alimentos?
- Por que boa parte, se não a maioria, dos políticos gaúchos que estão no Congresso Nacional entendem a proteção ambiental como uma pauta de esquerda?
- Por que federações e associações de grandes proprietários de terras disseminam informações falsas sobre o funcionamento da natureza?
Teria muitas outras perguntas. Mas acho melhor parar por aqui. Quando você estiver lendo, é bem possível que a água já vai ter chegado até o prédio onde moro em Porto Alegre. Para incrementar a reflexão, recomendo a leitura do artigo do Marco Moraes, sobre ideologia, aqui na Sler.
A água passa. E isso tudo vai passar. Espero mesmo é que nas próximas eleições as pessoas não deixem passar a oportunidade de votar em representantes que se preocupem com elas não só em tempo de desastres.
Foto da Capa: Diego Vara/Agência Brasil
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Texto originalmente publicado na SLER