Essas micropartículas já são encontradas em todos os lugares da terra e até dentro dos nossos corpos. A questão é: podemos viver sem o plástico?
Estamos vivendo um momento de transição civilizatória que muita coisa que fazíamos no século passado exige um novo posicionamento. Estamos imersos em três grandes crises planetárias que se retroalimentam e se relacionam: a da poluição, a climática e a de ataques à biodiversidade. A emergência do clima e o tanto de lixo que geramos gritam na nossa cara que se quisermos ficar em paz com nossa consciência, não podemos ficar de braços cruzados. Esse desastre inacreditável que vivenciamos no Rio Grande do Sul é uma das provas desse contexto. Nosso comportamento enquanto espécie terá que sofrer uma transformação ou, o mais provável, sofreremos muito mais. Talvez vamos sucumbir mesmo. Talvez os sobreviventes consigam dar um reset, parar com o que vem nos causando problemas.
E tudo isso passa pela exploração de combustíveis fósseis. Em bom português: petróleo. Tudo que deriva desse insumo traz benefícios, mas também deixa rastros, provoca impactos impensáveis. Como já tenho escrito aqui na Sler, o plástico é um derivado da indústria petroquímica, que está onipresente em nossa vida.
Nessa semana, tive a oportunidade de acompanhar um webinar imperdível: Como a poluição plástica afeta a saúde humana e ambiental?
E nesse evento ouvi especialistas falarem questões que todos precisam saber, especialmente quem se preocupa com saúde, impactos da cadeia da vida, no ambiente, prevenção de problemas etc. Só que, como alguém já falou: talvez seja mais fácil o mundo acabar, mas o capitalismo não, será difícil que veículos, empresas de comunicação que sobrevivem de anúncios de grandes empresas, divulguem para que não aumente o consumo de plástico.
Para começar, a humanidade viveu sem plástico por muito tempo. Só que a invenção tomou proporções gigantescas depois da segunda guerra mundial. Mas sua ampla disseminação foi mesmo nas últimas décadas no século passado. Minha infância e adolescência foi com garrafas retornáveis. O supermercado usava sacos de papel. Enfim, a banalização de polímeros plásticos é algo novíssimo para a nossa história.
Nesse webinar, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, por meio do Projeto TerraMar (MMA/GIZ/IKI), em parceria com o Ministério da Saúde e a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, evidencia a urgência da sociedade como um todo ter noção do impacto desse insumo. É urgente a implementação de um Tratado Internacional sobre Plásticos, que incorpore cuidados na prevenção de problemas da saúde humana e nos ambientes.
Com base em várias pesquisas apresentadas, os membros da academia e pesquisadores chamaram a atenção: o plástico não só está no meio de nós – literalmente – como é um indutor de diversas doenças quando está circulando por nosso corpo. Suas nano partículas entram nos seres vivos pelo ar, pelos alimentos, pelas embalagens e até pela pele.
O primeiro alerta sobre fragmentos de resíduos nos oceanos foi feito por dois pesquisadores em 1972 em um artigo da revista Science, alertando sobre o risco que se corria com esse tipo de poluição. Hoje essas partículas estão presentes em todos os lugares: nas nuvens, na neve na Antártida, em montanhas, em lugares sem a presença de seres humanos.
Os microplásticos são partícula de material polimérico menores de 5 milímetros. Podem ser resultado de processos físicos, químicos e biológicos. Podem ter formatos diferentes, fibras, micro esferas, filmes, esponjas, que são distintos polímeros. A estrutura do plástico fica fraco, começa quebrar e aí vem o problema. Os vasinhos, por exemplo, que esfarelam quando ficam ao ar livre expostos ao sol.
Um dos agravantes são os aditivos colocados junto com o plástico. Existem mais de 30 mil substâncias químicas adicionadas a essa matéria-prima, sendo que cerca de 1.200 tipos podem trazer sérios problemas. E sabe por quê? Esses polímeros tem a tendência de atrair outras substâncias, como moléculas chamadas coronas, que geram um tipo de invólucro, um biofilme. Essa camada atrai microrganismos patogênicos.
Os ambientes internos são mais propensos a respirarmos micropartículas do que ao ar livre. E já encontraram esses pedacinhos mini nas profundezas de pulmões, no intestino, no cérebro, no sangue, nos rins, no feto e até no leite materno! E isso altera o organismo de várias formas, deflagrando problemas inflamatórios, cânceres, entre outras doenças.
Estamos numa situação toxicológica complicada, pois somos expostos aos microplásticos principalmente dentro da nossa casa.
Dá para viver sem plástico?
Você deve estar se perguntando: mas é impossível viver sem plástico? Eu acho que é. O problema é o excesso, usar para qualquer coisa. Comprar e usar produtos que tem em sua composição poluentes derivados do petróleo. Por exemplo, me nego a tomar cafezinho em copinhos plásticos (inclusive porque o contato com o líquido quente, também provoca reações no material). Precisamos rejeitar as sacolinhas nas lojas e perguntar porque ainda não se adotou embalagens de papel nos lugares onde compramos.
Para mim, uma das piores formas de evitar a poluição de microplásticos são as fibras têxteis. Na hora de lavar, quase todos os tecidos hoje tem poliamida, lycra etc., o desgaste gera uma poluição invisível, mas que permanecerá para sempre nos cursos d’água. Não existe formas de se retirar isso hoje da natureza. Em resumo: tudo vai parar no oceano.
Nós, consumidores, temos um papel importante em pressionar governos, indústrias, políticos, varejistas, todos da cadeia de compra e venda em evitar o uso e escolher outras alternativas para esse tipo de material. Outro ponto que é inadmissível hoje é que se estima que só 4% dos resíduos são reciclados. Um dado mais cruel que esse foi ter ouvido nesse evento é que a medida que o plástico é reciclado, seu potencial de toxicidade é bem maior. Bem diferente do vidro, que infinitamente reciclável. Ou seja, a economia circular do plástico seria balela.
Entre os resíduos gerados pela enchente
Ao transitar pelas ruas de Porto Alegre, cheias de escombros, restos de móveis, entulhos, e tudo que as pessoas colocaram para fora de suas casas porque foi atingido pelas águas da enchente, dá para notar claramente que o descarte, sem preocupação com a separação, com uma destinação menos impactante.
Alguém que sofreu com os impactos do desastre me disse que na hora da limpeza, diante do caos generalizado, ninguém tem cabeça para pensar em destinação adequada. Isso me tocou. Senti como se esfregassem na minha cara o quanto essas três crises que estamos mergulhados nos intima a assumirmos minimamente nosso papel enquanto cidadãos planetários. Nem que seja dentro do nosso microssistema: tendo atitudes mais conscientes e responsáveis dentro das nossas casas.
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Fotos: Acervo da autora.
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Texto originalmente publicado na SLER