Que estratégias de adaptação podemos usar?

A busca do sentido, da resiliência, de conseguir driblar o que tem nos causado dor e sofrimento é algo que precisa ser encarado de frente. Não adianta tentar se esconder da realidade

Se estamos cercados de fogo em boa parte do Brasil, com os rios secos na Amazônia e ainda convivendo com as consequências do desastre no Rio Grande do Sul, está cada vez mais claro que precisamos saber conviver com esses cenários. Não adianta só ficarmos reclamando, apontando culpados, “chorando as pitangas”, como se diz no interior. Porém, confesso, o mais cruel disso tudo é estarmos em pleno processo eleitoral nos municípios e tudo que estamos enfrentando parece não ter tocado nem o coração, nem a mente dos eleitores.

Como somos regidos pelas telas, por influenciadores e formadores de opinião que sabem usar o poder e as artimanhas da comunicação, boa parte dos eleitores segue desconectado da realidade. Inclusive o Congresso Nacional, que vive no mundo de Narnia, como bem tem chamado a atenção o colega André Trigueiro. Se você que me lê já conseguiu juntar as peças desse imenso e complexo quebra-cabeça, já deve ter sentido na pele o quanto a manipulação tem provocado estragos na história da humanidade.

Creio que entre os desafios que nos rondam e assombram está o de como viver com saúde e esperança apesar de tudo. A busca do sentido, da resiliência, de conseguir driblar o que tem nos causado dor e sofrimento é algo que precisa ser encarado de frente. Não adianta tentar se esconder da realidade. Sei que pode ser duro, mas talvez seja inevitável. Afinal, não existe o “des-ver”, fazer que não viu. Se você sabe o que significa para seus filhos, netos, sobrinhos e companhia limitada essa atmosfera esfumaçada, precisa não só saber usar a máscara. Deve saber como se posicionar para não ser levado por ondas de vários tamanhos. Já leu Em Busca de Sentido, do Viktor Frankel?

Quem sabe possamos comparar esse desconforto – uma tentativa de simplificar para que mais gente possa compreender – à obra barulhenta de algum vizinho. Não temos como fugir, precisamos aguentar. Estamos num momento em que não temos para onde escapar. Podemos encarar as intempéries de várias formas. E aí eu mesma tento convencer a mim mesma. Calma, vai passar, digo para meus botões. Bem provável que muito mais gente vai morrer, sucumbir. O que está ao nosso alcance para contribuir minimamente para dar uma amenizada no contexto?

Talvez a diferença seja saber ou não as causas do que se adoece, do que está provocando a nossa morte. Vale lembrar, como citou o André Trigueiro no seu Papo das 9 de quarta, dia 18 de setembro, não estamos vivendo o Apocalipse. O planeta Terra seguirá se adaptando, se transformando como há bilhões de anos vem fazendo. O que está em risco é a condição de como vamos sobreviver.

Hoje estamos enraizados e cercados por todos os lados em um sistema antinatural, criado pelo homem, que tem provocado várias instâncias de necropolíticas institucionalizadas. Para alimentar a roda capitalista (veja bem, não estou defendendo o comunismo), é preciso que mais gente não tenha saúde para dar lucro a empresas de todos os tipos do setor farmacêutico. Também é preciso despertar o desejo de compra de futilidades e bugigangas para movimentar a economia. Ah, é liberar os jogos de apostas para o pessoal desopilar, gastar mais dinheiro que não tem.

Estamos diante de uma cilada civilizatória que foi meticulosamente armada e construída ao longo de muitos anos, mas que tem avançado na rapidez supersônica de um jato em tempos de multiplataformas na web e Inteligência Artificial.

Sob o argumento de que o Estado precisa ser enxuto, que precisa privatizar tudo e mais um pouco, todo mundo, exceto quem ganha com isso, está sendo prejudicado. Nos bairros de quem se acha rico também se respira fumaça. Os filhos e as filhas das classes mais abastadas também são controlados pelas big techs. A saúde mental dos adolescentes de jovens que o diga…

A três esferas de governo não estão conseguindo dar conta de atender às demandas mínimas para se enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Por que é mais fácil para o Congresso Nacional, parlamentos estaduais e municipais, para os governos e também para os votantes ignorar a emergência climática? Estamos afundados em crises complexas, difíceis de serem entendidas. As pessoas só conseguem se mover com base nas suas realidades, então como fazer a dona Maria ou o seu José da periferia de Porto Alegre compreender que o fogo na Amazônia ou no Cerrado está afetando a saúde das suas vias respiratórias?

Se nem a própria enchente na Região Metropolitana de Porto Alegre, que interferiu diretamente no percurso da vida de milhões de pessoas, consegue mobilizar a cidade onde nasceu o Orçamento Participativo, o que podemos fazer? Como sou de carne, osso e corre sangue nas minhas veias, sugiro que busquemos salvação na arte e no contato com a natureza.

Mas que alienação, alguém pode me julgar com dedo em riste (nos pagos isso é algo cultural, viu?). Confesso que tem horas que precisamos saber o que é menos pior para conseguir continuar respirando. Tem um ditado que diz que o ótimo é inimigo do bom. Creio que está na hora de se pensar em ações pragmáticas. Se você não está contente com o contínuo arboricídio da cidade, sabe o que significa o desmonte das políticas ambientais, talvez seja a hora de votar em quem tem chance de derrubar esse que está aí ‘atravancando nosso caminho’ como disse o Quintana: “Eles passarão, eu passarinho.”

Foto da Capa: Paulo Pinto / Agência Brasil
Todos os textos de Sílvia Marcuzzo estão AQUI.

Texto originalmente publicado na SLER

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