Cidade de quem?

A parte do Centro de Porto Alegre por onde andei está degradante, situação desoladora. Lojas fechadas. A reforma do piso da rua dos Andradas provoca uma indisposição

O que faz com que as pessoas acreditem no que é dito para elas? Por que há uma profusão de influencers, de gente empenhada em convencer sobre o que vendem, o que dizem, o que fazem? No meio desse oceano de informações, onde a nossa atenção é disputada à unha, ops, digo, pelos algoritmos, o que faz com que você goste mais do amarelo do que do azul?

Já parou um pouco pra pensar no que envolve o emaranhado de elementos que fazem com que você perca mais tempo com uma figura bonita lhe falando algo que quer ouvir? Estive no Centro de Porto Alegre na quinta, dia 3 de outubro. Transitei em áreas que não foram alagadas pela enchente. Assim que entrei no  ônibus, logo me deparei com aquele projeto incrível, ceifado na gestão Marchezan e que a atual administração não deu prosseguimento. Consegui registrar entre uma parada e outra:

Foto do interior de um ônibus de Porto Alegre, a caminho do centro da cidade
O que restou do projeto Poema no Ônibus e no Trem – Foto: Acervo da Autora

Para você que me lê e não anda de coletivo ou não sabia da existência dessa iniciativa, lamento. Era um alento para quem pegava o ônibus ou o trem lotado e ler um verso, uma sacada. Teve uma edição dos Poemas nos Ônibus e no Trem que concorri e fui escolhida. Até vou resgatar algum dia o poema que fiz. Mas hoje, devido ao contexto pré-eleitoral, meu enfoque é outro.

Dos versos, que me levaram ao longe e me provocaram um sorriso no rosto, logo fiz conexão com as cenas com as quais me deparei no Centro. Tanta gente com bandeira, com santinhos, entregando folhetos, parando nos sinais com faixas. Ainda não descobri quanto estão pagando. Confesso: achei deprimente. Muito triste ver pessoas nitidamente pobres vendendo seu tempo e energia para candidatos que seguramente não trabalharam pela sua qualidade de vida. Pior, farão com que permaneçam nessa condição nas eleições dos próximos anos. Não, elas não ficarão ricas apostando nas bets.

A parte do Centro de Porto Alegre por onde andei está degradante, numa situação desoladora. Muitas lojas fechadas. A reforma do piso da rua dos Andradas provoca uma indisposição, um aperto no peito, quando lembro daquele piso de granito com um monte de gente caminhando. O número de pessoas em situação de rua proliferou de uma forma assustadora. O cuidado, o apreço, o capricho que essa zona da cidade já ostentou foi sendo carcomido pela ausência de um olhar estratégico diante de tantas mudanças da atualidade.

Ao andar pelas ruas e avenidas do Centro coloridas pelos wind banners, a sensação é de que esse sistema eleitoral serve só para perpetuar aqueles que estão no poder. Quem tem dinheiro para pagar gente que pensa como convencer melhor – não interessa se quem paga está preocupado com a coletividade, com o bem comum – sempre sairá bem. Imaginem então quem já está com a máquina pública na mão? E o impulsionamento das redes sociais que está deixando ainda mais ricos os endinheirados norte-americanos?

Também me incomoda ver aquelas propagandas de candidatos que defendem a sua classe, a sua corporação. Esses dias vi um wind banner com a frase: “em defesa da família brigadiana”. Gente, se estamos de mal a pior em vários contextos, é porque grupos usam todas as suas armas para defender seus interesses em detrimento do que é melhor para nossa sobrevivência enquanto espécie! Nem com os desastres o pessoal conecta a sua situação com a emergência climática.

Estamos nas mãos das indústrias do petróleo, da construção civil, da petroquímica, que fabrica agrotóxicos, fungicidas, etc., que acabam contribuindo para ficarmos doentes. Tudo por dinheiro. Mais dinheiro, para quem já tem dinheiro. Ah, a cadeia da alimentação, então, nem se fala, é a grande incentivadora para engordar outra indústria, a farmacêutica (procure alguém que não toma algum remedinho à sua volta, conhece?). Tudo isso, é claro, contribui para termos uma cidade menos viva, com menos árvores e casarões antigos e muuuuuiiitas farmácias.

Li a declaração de uma candidata de que o parque público não é um serviço essencial! Meu Deus! Minha Nossa Senhora das Ansiosas do Sul Global, por favor, estamos realmente emburrecendo enquanto humanidade?

Desculpem, queridos e queridas leitoras (vou privilegiá-las porque acho que vocês são a maioria de quem me lê), mas confidencio: depois de tantos dias de céu cinzento (com cinzas de fato) e chuva, achava que fosse bom caminhar pelas ruas. Me enganei. Talvez precisemos fomentar formas de aumentar a percepção do quanto somos manipulados. E que o que está acontecendo em nossa volta tem tudo a ver com isso. Se “eles” sabem prender nossa atenção na disputa de votos, por que quem tem recursos para comandar os palcos e os teatros dessa grande função não se preocupa em tornar nossa Porto Alegre para mais gente?

Foto da Capa: Reprodução do YouTube
Todos os textos de Sílvia Marcuzzo estão AQUI.

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