A nossa coleira eletrônica

Saber minimamente onde estamos na linha do tempo da civilização é como ter na mão uma lanterna no meio da escuridão.

Ao se deparar com um adesivo escrito “Os bons são maioria”, na minha casa, um amigo me perguntou: tu continuas acreditando nisso? E eu, que nunca mais lembrava ou olhava para o tal adesivo da organização 1%, na hora fiquei meio atordoada… Mas logo respondi: acredito que sim. Podem ser bons, mas manipuláveis.

Cada vez mais que estudo, que descubro algum autor ou autora, percebo o quanto fazemos parte de um grande rebanho. Somos totalmente maleáveis e flexíveis conforme as imposições determinadas pelo sistema onde estamos inseridos. E isso foi e é meticulosamente planejado. Os publicitários, os marqueteiros, os neurocientistas que o digam.

Como uma nativa do interior, do coração do Rio Grande do Sul, lembro o quanto as tendências dos grandes centros me fascinavam na adolescência. A primeira vez que fui em um Mc Donald’s, no Rio de Janeiro, fiquei encantada. Aquele monte de embalagens em isopor dava vontade de levar para casa. Aquela decoração vermelha e amarela com os atendentes simpáticos fantasiados de Ronald Mac Donald’s me deixou de boca aberta.

Uma das atrações quando vinha à Capital era andar de escada rolante nas Lojas Americanas. E quando inaugurou o Shopping Iguatemi, com aquele super relógio d’água, fiquei extasiada a primeira vez que vi. Escrevo essas linhas porque, desde que me lembro de ser gente, já mordi várias iscas. Ao longo da vida, passamos por vários tipos de situações para que sejamos encantados.

Só que hoje, o nível de controle, de sedução, é algo impensável, especialmente para quem é analfabeto digital diante das telas. Todos que usam um smartphone, computador ou notebook estão sujeitos a serem rastreados, observados e induzidos a compreenderem coisas impensáveis. O uso da tecnologia e da inteligência de quem é movido por dinheiro e sabe comunicar faz qualquer coisa.

E todos os dias, nós, simples mortais, colocamos um tipo de coleira eletrônica. Nem cogitamos deixar de usá-la porque ganhamos tempo e estamos convictos das vantagens que essa tecnologia nos apresenta.

Como citei em coluna anterior, isso são lados da “technomagia”. O livro Tecnomagia: êxtase, totem e encantamento na cultura digital, lançado recentemente na Feira do Livro de Porto Alegre pela Editora Sulina, é do sociólogo Vincenzo Susca. Estamos em um brete ladeado entre a submissão e a crença de que somos livres. Conforme o livro de Susca, estamos diante de uma alienação voluntária. Somos gado ou ovelha, agimos totalmente de forma inconsciente diante das ofertas daquele produto que estávamos pensando em comprar ou por impulso de olhar o WhatsApp, de curtir memes etc.

E nesse caldeirão de bytes, bots e afins, onde quem manda são os donos do Google, Meta, Microsoft e Apple, somos menos que marisco. E quem não tem a menor noção do que o Musk, Trump e cia são capazes – e da enrascada civilizatória que o aumento da temperatura do planeta está provocando e pode gerar perigos – está correndo riscos tanto para si mesmo quanto para sua família e futuras gerações. Aí que minha inquietação pulsa: o medo, a insegurança e a incerteza desse nosso tempo nos deixam mais suscetíveis a cair em armadilhas. Porém, saber minimamente onde estamos na linha do tempo da civilização é como ter na mão uma lanterna no meio da escuridão.

Mergulhar os sentidos em meio à natureza, parar, respirar, observar o próprio corpo, pode nos dar algumas respostas. Não tenho sentença formada, muito menos certezas absolutas de onde vai estacionar o bonde da história. Mas, pelo que tenho lido e aprendido, até agora a pergunta do meu amigo ficou ressoando na minha cabeça.

Todos os textos de Sílvia Marcuzzo estão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA / Freepik

Texto originalmente publicado na SLER

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