Defensora das árvores nativas nas cidades falece no dia do Pampa
“As árvores das nossas cidades amanheceram mais tristes essa semana. Perdemos uma grande lutadora por cidades melhores e mais sustentáveis.” A declaração do deputado federal Rodrigo Agostinho sintetiza um pouco do sentimento das pessoas que tinham noção da importância do trabalho da bióloga Maria do Carmo Sanchotene. A pioneira na defesa do uso de árvores nativas na arborização urbana faleceu na sexta, dia 17 de dezembro – data emblemática, também foi decretada dia do bioma Pampa por ser o dia de nascimento de José Lutzenberger.
Maria do Carmo tinha 69 anos e estava bem no dia anterior. Mas de madrugada sofreu um mal súbito. O fato deixou muitas pessoas chocadas, pois ela estava envolvida com diversas tarefas para promoção de ações. Agostinho estava em contato com ela para elaboração de um Projeto de Lei sobre arborização urbana no país. “A incansável e inovadora Maria do Carmo dedicou sua vida inteira às árvores da cidade. E ela estava produzindo muito”, lamenta o colega de profissão Flávio Barcelos Oliveira.
A bióloga, que atuou na Secretaria do Meio Ambiente de Porto Alegre, tem seu trabalho reconhecido pelo Brasil afora. Foi a incentivadora da criação da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (Sbau) e sua primeira presidente em 1992. “Na época, se defendia que os encontros nacionais de arborização urbana ficassem sobre o ‘abrigo’ da Sociedade de Paisagismo. Maria do Carmo foi contra. Ela argumentou que o tema merecia uma organização específica para o assunto, por isso foi criada a Sbau”, recorda Flávio.
Flávio lembra de várias situações onde a participação de Maria do Carmo foi essencial para a união de esforços em favor de uma gestão que considerasse as árvores como elementos fundamentais para a qualidade de vida urbana.
“Ela foi precursora em tudo que se pense na evolução da arborização urbana em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e no Brasil. Inclusive no exterior”. Em 1998 durante o IV Congresso Brasileiro de Arborização Urbana em Porto Alegre, Maria do Carmo incluiu nos CBAUs palestras da Sociedade Internacional de Agricultura (ISA) da qual era sócia desde 1990. Foi ela que idealizou e coordenou o Plano Diretor de Arborização Urbana de Porto Alegre, o primeiro do Brasil, realizado entre 1993 e 1998″.
Ela se aposentou na Smam em 2003, mas não abandonou a labuta. Quem anda pelas ruas de Porto Alegre não tem noção do quantas brigas já foram travadas entre técnicos da Secretaria do Meio Ambiente e diversos segmentos da sociedade. Flavio recorda do quanto a bióloga, que tinha um temperamento afável, se envolveu no primeiro encontro nacional de redes aéreas, coordenado por ela, em 1990, no auge da “guerra”, Smam, Ceee e Ministério Público.
Diante daquele contexto os órgãos buscaram um consenso pelo bem-comum. Equipes da Ceee e da Smam passaram a trocar conhecimento sobre suas diferentes áreas. “A Ceee ministrava cursos sobre segurança de trabalho para equipes da Smam. E técnicos da Smam davam cursos sobre melhores práticas de podas para as equipes da Ceee.”. Flávio conta com saudade desse tempo de integração entre as equipes. As capacitações começaram na década de 90 e foram até 2006.
“Nós chegamos ao auge do entendimento, não tinha uma equipe na rua que a Smam não soubesse o que estava fazendo”, lembra. Naquele tempo a Smam tinha 14 equipes distribuídas em suas zonais pela cidade que atuavam na conservação da arborização urbana”. Hoje, a secretaria não presta mais esse serviço e há apenas duas equipes que atuam na Secretaria de Serviços Urbanos, criada pelo governo Marchezan (PSDB). A Smamus atualmente gerencia apenas o plantio.
Ele cita alguns exemplos de ruas com árvores que tiveram o dedo, as mãos, a cabeça e o planejamento de Maria do Carmo. Entre elas a Rua Maryland com guajuviras; a Victor Isler, na Serraria com cocões; a Dr. Vale com tarumãs pretas; a avenida Diário de Notícias com butiazeiros e a Farrapos com gerivás.
Flavio adianta que em nome da memória da companheira, pretende propor um novo protocolo para que sejam estabelecidas trocas entre as equipes de manutenção da arborização da cidade. Ele acrescenta também que deverá ser realizado um encontro nacional de redes aéreas no ano que vem. Ele integra um Grupo de Trabalho que foi criado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente para tratar do assunto.
A assessoria de comunicação da Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre informa que nesta quarta, dia 22, será dado o início da reforma do viveiro municipal. Saiba mais aqui. Na gestão anterior, de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) o viveiro foi desativado e muitas mudas acabaram morrendo. Saiba mais sobre o assunto, clicando aqui.
A Secretaria planeja realizar um Plano Diretor de arborização urbana, que deve nortear o plantio das novas mudas produzidas pelo viveiro. No entanto não há previsão de novo inventário.
Confira aqui o artigo publicado na Revista da Astec: Porto Alegre, Cidade das Árvores, escrito pela bióloga.
Clique aqui para conferir entrevista de Maria do Carmo à IHU em 2015.
Maria do Carmo, uma mulher à frente do seu tempo
Outro exemplo que denota o quanto a bióloga foi decisiva para o avanço de políticas de valorização das árvores nativas foi narrada pelo professor Fernando Periotto, professor da Universidade Federal de São Carlos. Ele observa que poucos municípios se preocupam com esse tema, com exceção de grandes cidades. E 90% das árvores plantadas em áreas urbanas são exóticas.
Ele conheceu a Maria do Carmo em João Pessoa, em 2019, em uma palestra. “Achei muito interessante, pois ela defendia a pluralidade de visões dentro da arborização e a necessidade de diversos profissionais, como biólogos, arquitetos paisagistas, agrônomos, gente da educação ambiental, em darem as mãos e trabalharem juntos. Ela tinha essa visão holística e necessária à arborização”, resume o professor.
“Ela era muito querida, no jeito de viver, acolhedora, tinha uma visão de pessoa inteligente, de verdade. E, se os profissionais não se unirem, junto com o pessoal técnico de prefeituras, a arborização continuará como é, jogada às traças. Basta ir para um bairro pobre, em uma cidade pequena, esse assunto geralmente é negligenciado pelas gestões municipais,” comenta Fernando.
O professor conta que no final da palestra ele foi conversar com Maria do Carmo e ela comentou que não existia no Brasil uma publicação sobre o assunto, que considerasse as características regionais. O que havia eram trabalhos e publicações muito técnicas, revistas científicas. “Desde que ela comentou isso, essa ideia ficou na minha mente”.
Bióloga inspirou criação de coletânea
Depois disso, uma série de acontecimentos, fizeram com que o professor Fernando reunisse outros interessados e pesquisadores no assunto para articular a publicação sugerida pela bióloga. “Maria do Carmo, naquela palestra iluminou minha mente, para dar forma àquela ideia. Ela foi uma das primeiras a ser contatada para colaborar”. Ela participou do livro sobre a região Sul, escrevendo sobre florística e políticas públicas.
A coletânea está em fase de revisão técnica, conta com 110 autores principais, 600 coautores. Serão cinco livros, cada um sobre uma região do País. Ainda não tem uma editora definida, e está em fase de busca de financiamento para edição e impressão. A intenção é lançar sequencialmente os livros até o final de 2022 e distribuí-los gratuitamente todas prefeituras municipais do Brasil, universidades públicas. O foco é o gestor público, por isso será um material didático, de fácil leitura.
Confira abaixo a apresentação feita pelos organizadores sobre a coletânea de Arborização Urbana.
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“Maria do Carmo foi a grande inspiradora desse trabalho, que deverá beneficiar todos municípios brasileiros, para que respeitem a árvore como um ser vivo e não façam podas de qualquer jeito,” afirma Fernando Periotto.
Em setembro do ano passado, o professor Fernando e outros autores lançaram o e-book, Verde Urbano, que também contou com contribuições de Maria do Carmo. Clique aqui para acessar.
Saiba mais sobre árvores nativas, clique aqui, na publicação organizada por mim e pelo Paulo Brack – 30 Árvores Estratégicas da Mata Atlântica – Por um verde mais vivo. Brack também está inconformado com a partida repentina da colega Maria do Carmo. “Ela era uma pessoa encantadora, acompanhei um pouco o mestrado dela, foi orientada pelo Bruno Irgang”. Brack, professor do Departamento de Botânica da Ufrgs, conta que fez ilustrações para o seu livro e que depois foram aproveitadas na cartilha que organizamos.
Que homenagem linda! Fica o legado de Maria do Carmo! Parabéns pelo trabalho inspirador!
Maria do Carmo merece ter parques com seu nome para as novas gerações se inteirarem do seu legado e que sirva para novas inspirações.
Lindo o legado deixado por Maria do Carmo! Que permaneçam vivos os seus ensinamentos.
Sim, o que ela fez se manterá vivo dentro de quem aprendeu!
Linda homenagem e excelente artigo, Sílvia. Hoje a SMAM é sombra do que foi no passado, ainda reergueremos a primeira Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Brasil!
Para isso, a sociedade precisa estar alerta e se organizar…
Tive o privilégio de ser colega de Maria do Carmo,no Curso de História Natural,na PUC.Tempos depois,já casadas e com filhos,frequentavamos a Paróquia Nossa Senhora das Graças. Nesta ocasião meu esposo e eu fomos convidados a fazer parte das Equipes de Nossa Senhora. Entre os casis do grupo estavam Cacaia( como a chamavamos carinhosamente) e o Marco,desde 1986 convivemos partilhando nossas alegrias e desafios.
Maria do Carmo,sempre testemunhando vida cristã, nos deixa um legado de amor ao esposo,à família, aos amigos,na comunidade prestando serviço nas pastorais e como profissional competente, estudiosa e dedicada, como já foi dito,faltam palavras para descrever o seu conhecimento e empenho à favor da natureza.
Maria do Carmo, deixa muita saudade do seu jeito de ser,
conciliadora e agregadora, do seu sorriso meigo,da sua disponibilidade ,em meio a tantos compromissos e dos seus aconselhamentos …Gratidão a Deus pelo tempo que nos deu para convivermos com a nossa querida Cacaia !Era devota a Nossa Senhora da Medalha Milagrosa,e agora está sob a sua proteção!
Sugiro tb que seja homenageada com seu nome em praça ou parque em nossa cidade!
Sim, Beatriz, espero que a municipalidade honre a trajetória da Maria do Carmo com alguma homenagem. Batizar uma praça ou rua arborizada com seu nome é o mínimo. Mas para isso, é preciso acontecer ter mobilização.
Perdemos nossa maior referência!!
Esses depoimentos são pequenos para tudo que ela nos proporcionou. Agora precisaremos nos esforçar muito mais para merecer o seu legado!”
Sim, Sergio. Lamentável. Agora precisamos manter seu legado vivo não só dentro de nós, mas para que outras pessoas reconheçam a importância do seu trabalho.