Sinta o que o clima quer comunicar, observe a situação das árvores e dos prédios
Está mais do que na hora de sairmos para as ruas. Precisamos caminhar pela cidade. Nada melhor do que nos conectarmos com o que nos cerca. Simplesmente observarmos a natureza a nossa volta. Não só pelo nosso bem, pois ela nos regenera. Mas porque há vários indicadores que evidenciam a necessidade de pensarmos global e agirmos local (o velho bordão da Rio92).
Sei que pode parecer para alguns um tema de ecochato, um assunto pouco amistoso, em tempos de tantos desafios. Ou até mesmo ingênuo, para alguns. Por isso sugiro que comece, pelo menos tente, caminhar pela sua cidade. Ao andar pelas ruas você vai saber direitinho quem diz a verdade, nessa guerra de narrativas. Especialmente no caso de Porto Alegre. Pois quando acompanhamos só o que sai na grande imprensa e nas redes sociais não temos a noção do que estamos vivenciando.
O caso do Parque Harmonia, por exemplo, não é uma questão só de corte de árvores. É um precedente perigoso, pois quem deveria fiscalizar não está preocupado com preceitos básicos de qualidade de vida em tempos de crise climática (não podemos jamais esquecer das altas temperaturas dos meses quentes e dos eventos extremos das últimas semanas, desse inverno tão atípico). Vale demais saber o que está acontecendo na Europa, no Hemisfério Norte, nesse período de verão lá. Incêndios, falta de energia e muitas mortes! Esse mês de julho foi o mais quente registrado na história!
Órgão ambiental carcomido por dentro
Enquanto se contabiliza perdas, prejuízos e mortes em decorrência de eventos da crise climática, por aqui, o desmantelamento de órgãos ambientais vai trazer e já está trazendo prejuízos em vários aspectos. Em Porto Alegre, a finada Smam, que tem um histórico lindo, por ser a primeira secretaria de meio ambiente municipal do Brasil, não tem mais uma equipe que cuida da arborização urbana. É só ver como as árvores estão tomadas de erva de passarinho. Ou então constatar a quantidade de espécimes que foram cortadas/derrubadas e não foram repostas. A atual pasta, chama-se Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), tem outras atribuições e a cada dia menos funcionários (muitos estão se aposentando).
Vale lembrar que as árvores são elementos essenciais na qualidade de vida de uma cidade. São fundamentais para a manutenção de um microclima agradável, atraem pássaros, polinizadores, prestam outros serviços ambientais. Em áreas altamente impermeabilizadas são cruciais para ajudar a diminuir alagamentos. E a situação delas também têm relação direta com a falta de energia em eventos extremos. Isso sem falar nos coitados dos bugios, que tem morrido eletrocutados porque a CEEE Equatorial não têm dado a devida atenção a quantidade de fios desencapados (fiquei sabendo disso por uma promotora do MP Estadual).
Aliás, a conexão entre esses assuntos tem passado batida por aqui. Talvez porque estejam faltando à administração, às autoridades e às redações o caminhar pela cidade, o olhar atento ao que vem acontecendo nas ruas. Mas será que há repórteres para isso? (contém ironia, tá?) E se nem no presente se está ligado, imagina no que vai acontecer daqui a alguns 10 anos…
Plano diretor para quem?
No sábado, dia 25 de julho, estive no Seminário Leitura da Cidade, uma das fases do processo de construção do Plano Diretor de Porto Alegre. O evento rolou ao longo do sábado no auditório da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Municipal de Porto Alegre. Todos que tem alguma noção do que foi apresentado pela consultoria da Ernest & Young saíram preocupados. Vale ler o artigo do colunista aqui do Sler Frederico Salmi, clique aqui.
Com um valor altíssimo pago por nós, contribuintes, a consultoria se quer dispõe de uma assessoria de comunicação para elaborar uma apresentação mais atrativa para transmitir as principais informações. É estarrecedor constatar o desperdício de tempo e de dinheiro público nesse processo. Tudo para que a maior parte das perguntas dos participantes não fossem respondidas (o que não justifica, por sinal, a falta de respeito que imperou em alguns momentos por parte da plateia).
Estão sendo pagos R$ 6.504.447,84 para essa empresa que contratou outros profissionais para fazerem o levantamento (e não apresentou dados primários!). Fiz algumas entrevistas com pessoas da área do urbanismo no dia do evento no meu perfil do Instagram. Clique aqui. para ver a primeira live, com a coordenadora geral do plano diretor, Patrícia Scherk, e os profissionais da imprensa que estiveram no local. Ninguém da consultoria contratada dá entrevistas, só da prefeitura.
Na abertura do evento, o vice-prefeito, Ricardo Gomes, destacou que Porto Alegre tem perdido empregos de melhor qualificação. Salientou que o número de emprego com salário menor voltou a subir depois da pandemia. A capital diminuiu sua população entre 2010 e 2022 (cerca de 76 mil pessoas), conforme dados do último Censo. Desse total, quem mais deixou a cidade foi gente da ativa, entre 15 e 64 anos. Uma migração ocasionada pela busca de melhores remunerações e condições de trabalho.
Conforme noticiou Tiago Medina no Matinal, está sendo construída nova proposta e não uma revisão. Os Planos Diretores anteriores de Porto Alegre não foram considerados, não foi mencionada qualquer preocupação em conectar o plano com as características socioambientais da Região Metropolitana, muito menos em considerar a diversidade de populações quilombolas e indígenas.
Outro aspecto estarrecedor é que não se levou em conta o aumento de imóveis desocupados. O Censo do IBGE 2022 apontou que o número de imóveis vagos em Porto Alegre dobrou, passando de 100 mil, entre 2010 e 2022. Isso é outro aspecto que pode ser bem observado se você caminhar pela cidade. Com esse contexto, fico me perguntando: se diminuiu a população, porque a cidade continua avançando sobre áreas verdes e construindo tantos prédios novos?
Saí do evento bem incomodada, insegura sobre o futuro da Capital. Pois mesmo diante de tantos protestos da sociedade, a maioria da Câmara de Vereadores está fechada com a administração municipal. E o pior, a maior parte dos projetos desses parlamentares – quase 70% das proposições votadas (67,5% conforme levantamento do GZH) são moções, homenagens e nomes de ruas. Uma sugestão é você conversar com o seu vereador sobre esse assunto, se valer a pena, é claro.
Se você quer saber mais sobre os desdobramentos do Plano Diretor, acompanhe a cobertura da jornalista Bruna Suptitz, no blog Pensar a Cidade do Jornal do Comércio. Ela tem procurado mostrar outros lados dessas decisões de hoje que vão determinar como serão nossas caminhadas no futuro.
Foto da Capa: Acervo da Autora