Só mobilização da sociedade garante preservação de patrimônios

Se ainda contamos com patrimônios culturais e naturais é porque segmentos uniram esforços pela sua existência

Você já parou para pensar que todo patrimônio ambiental e cultural imaterial, patrimônio edificado e até mesmo parques precisaram (e ainda precisam) de muita mobilização para não serem destruídos? Ao longo da nossa história, pelo menos aqui no Brasil, se existem Unidades de Conservação, se existem prédios tombados é porque organizações, pessoas representativas de distintos segmentos da sociedade se agilizaram para que não fossem engolidos pelo apetite voraz dos dinheiristas (mistura de gente de direita com capitalistas, definição minha) de plantão.

Se nas cidades, a especulação imobiliária dá as tintas, régua e compasso, conforme o governo e os parlamentares – especialmente se empresários desse segmento bancaram as campanhas eleitorais dos candidatos vencedores – nas áreas rurais, a disputa é de outro tipo. E tudo depende do ecossistema. Literalmente. Se em boa parte da Amazônia se quer derrubar a floresta para virar pasto ou lavoura (vale muito ler a notícia sobre o recente estudo publicado sobre a destruição da Amazônia no governo anterior), no Rio Grande do Sul, os campos nativos, cada vez mais há interesses em transformá-los em floresta. Ou melhor, em monocultura de eucalipto (saiba mais aqui).

Nesse jogo de interesses, a alfabetização socioambiental, saber ler e interpretar o que está acontecendo a nossa volta é mais que importante: crucial para sobrevivência de várias coisas, tangíveis e intangíveis. Precisamos agir para que sejam mantidas preciosidades. Será que as futuras gerações, nossos netos, filhos e sobrinhos não merecem? Quem hoje destina sua energia pela conservação da biodiversidade? E da segurança alimentar e do clima? Os caras (sim, a esmagadora maioria é de homens e brancos) que estão no centro do poder hoje, em poucas décadas, não estarão mais aí. Só que os estragos que estão provocando hoje, ficarão para sempre.

Em Porto Alegre, tenho aprendido sobre inúmeras relíquias que dispomos, mas que nem sempre acessamos. Sim, quem vem de fora, especialmente de outros países, estados, fica impressionado com as maravilhas que nos cercam. A cidade, além de ter um delta, morros graníticos, a mistura de dois biomas, conta com muita, mas muita gente e instituições que produzem conhecimento, arte, cultura, música etc. E todo dia são promovidos encontros de pessoas com algo mais entre as orelhas (para citar o slogan de uma finada rádio local, a Ipanema FM).

Refiro-me a lugares, situações que procuram formar, impulsionar que se pense, se crie além da curva. Só para citar algumas, valorizo demais o Atelier Livre Xico Stockinger da Prefeitura, o que aprendi com as artistas e os cursos da Associação Chico Lisboa (clique aqui para ver a live que fiz sobre os 85 anos da instituição) e as inúmeras exposições de museus da capital.

Tem uma frase antiga (de 1651), mas muitíssimo atual, da Juana Inés de la Cruz que diz: Não estudo para saber mais, mas para ignorar menos.

Pois tenho procurado saber mais sobre edificações, parques, lugares que admiro, justamente para ignorar menos. Saber o que foi feito para que lugares, atrações e tantos outros pontos estejam em pleno funcionamento, atendendo ao público. Apesar de tanta pressão para que não existissem. Às vezes sinto, que pessoas com uma visão de longo prazo andam longe dos lugares de decisão.  Aquelas que estão preocupadas para além das próximas eleições…

Outros lados da Casa de Cultura Mário Quintana

Por tudo isso e mais um pouco, registro o quão prazeroso foi acompanhar a visita guiada pelos arquitetos Flávio Kiefer e Joel Gorski à Casa de Cultura Mário Quintana. Eles trabalharam exaustivamente no projeto e nas obras para transformar os escombros do Hotel Majestic na CCMQ. Fiquei sabendo uma porção de coisas que não fazia ideia sobre o projeto do famoso Theo Wiederspahn.

A CCMQ tem um lugar especial no meu coração. Cantei em duas cerimônias de inauguração lá: no espaço reservado ao Mário Quintana, no mezanino e na galeria de arte das paredes brancas. Naquele tempo, estava no coral da AABB. Depois disso, cansei de levar amigos de fora, conhecidos para conhecer a casa, um orgulho para qualquer pessoa que aprecie atrações artísticas. Ah, quantas exposições também me marcaram. Espetáculos de teatro, concertos.

Enfim, fiquei emocionada em saber dos bastidores da reconstrução daquele magnífico espaço. Sabia que parte do térreo contou até com uma revenda de carros Ford Bigode? O restaurante do hotel ficava no último piso e a posição da cozinha era do lado do Guaíba. Ou seja, a vista para a natureza, para o movimento do cais, não era valorizada. Ficar de frente para o delta significava ver também centenas de trabalhadores no agito do cais. O público não tinha interesse em acompanhar essas cenas e nem o pôr do sol!

A programação de sábado, dia 20 de agosto, foi alusiva ao dia do patrimônio histórico. E voltar no tempo, ouvindo os arquitetos, me acionou tantas lembranças de um período de ebulição cultural nos anos 90. Época do governo Simon, da criação da maravilhosa FM Cultura, onde fui estagiária e sou ouvinte fiel. Naquele tempo, a CCMQ tinha uma atmosfera bem diferente. Leitores espalhados pela hemeroteca. Apreciadores de música com fones de ouvido na discoteca Natho Henn.

Neste piso ficava o restaurante do Hotel Magestic, a cozinha ficava de frente para o Guaiba

Viva o IAB vivo!

No mesmo dia, também presenciei outro momento marcante: a apresentação da fachada do prédio histórico conhecido como Solar do Conde de Porto Alegre. Esse é outro patrimônio protegido da cidade, um dos últimos exemplares de solar urbano existentes no centro da Capital. Localizado na esquina da rua Riachuelo com a General Canabarro, o prédio foi doado pelo governo gaúcho ao IAB/RS (Instituto de Arquitetos do Brasil) no início dos anos 1990. O imóvel já passou por diversas fases de restauro. Foi lindo ver tanta gente, de todas as idades em frente ao Solar, que na verdade, foi da condessa. O IAB/RS tem prestado enormes serviços à sociedade, em especial a atual gestão, que conta com quatro copresidentas! Assista aqui a entrevista que fiz com duas delas sobre a inauguração.

Ah, e no dia 30 de agosto, o IAB/RS, o Atua POA e a Agapan estão promovendo um debate sobre a concessão à iniciativa privada do Parque Marinha de Brasil. Será às 19h30, na sede do IAB/RS (Rua General Canabarro, 363). Estarão presentes os arquitetos que projetaram o parque, Ivan Mizoguchi e Rogério Malinsky (confira o artigo sobre a visita ao parque aqui), e o diretor da Agapan Francisco Milanez, que também é arquiteto e biólogo.

Solar Conde de Porto Alegre, sede do IAB

SOS Unidades de Conservação

Para encerrar, cito outro tipo de patrimônio que merece nossa atenção: a situação das Unidades de Conservação do Estado. A Assembleia Legislativa instalou na última quarta, dia 23, a Frente Parlamentar em Defesa das Unidades de Conservação do Rio Grande do Sul. A proposição do deputado Jeferson Fernandes tem a missão de montar um diagnóstico das 24 UCs estaduais.

Para Alexandre Krob, do Instituto Curicaca, a iniciativa é decisiva para saber a situação das UCs, pois o quadro de funcionários da Sema é insuficiente para dar conta da gestão das unidades. Também há falta de vontade política e de recursos. Vale ressaltar que o Pampa é o bioma com menor área protegida do Brasil. E as poucas UCs que existem, estão concentradas na sua porção leste, como a APA do Ibirapuitã, em Alegrete, e o Parque Estadual do Espinilho, em Barra do Quaraí.

E você, o que gostaria que fosse preservado para as futuras gerações? Precisa escolher…

Fotos: Sílvia Marcuzzo
Artigo publicado no site sler.com.br

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