Os tentáculos dos amigos do Musk

Há tantas ameaças nos rondando… quem tem um pouco de noção do contexto sabe que estamos deixando um mundo pior para nossos filhos

Quem está tentando entender o que está acontecendo para além da sua porta de casa, dos muros do prédio, das fronteiras do seu Estado ou País, tem percebido que o contexto mundial está bem complicado. Bem complexo. Bilionários, que já mandavam em boa parte do mundo, poucos homens brancos, acelerando a nossa nave mãe rumo ao um caminho sem volta pelos impactos da crise climática. Um deles, um dos abastados do planeta está batendo de frente com quem trata da última instância do Judiciário no Brasil, o STF.

Mundo mais quente

Só para ter uma ideia dos rumos da humanidade com relação a crise climática, um novo relatório divulgado a semana passada pela InfluenceMap, com informações do Carbon Majors, o setor de combustíveis fósseis emitiu mais carbono entre 2016 e 2022 do que nos sete anos anteriores à conclusão do Acordo de Paris – aquele que definiu que para conter o aquecimento global a temperatura não poderia passar de 1,5° C neste século.

A maior parte das emissões está associada a um número pequeno de empresas de combustíveis fósseis e de cimento. Segundo o levantamento, 80% da queima de combustíveis fósseis no mundo desde a assinatura do Acordo de Paris vem de apenas 57 grandes empresas privadas e estatais desses setores. Desde 2016, 88% das emissões de combustíveis fósseis e do setor de cimento estão associadas a 117 empresas, sendo 38% relacionadas a produtores estatais, 37% a empresas com participação governamental, e 25% a companhias privadas.

O aumento das emissões desde a conclusão do Acordo de Paris é mais visível na Ásia, onde as cinco principais companhias privadas e a maior parte das empresas estatais (8 de 10) registraram emissões superiores àquelas observadas no período de 2009 a 2015. Segundo a análise, isso se deve principalmente à expansão da produção de carvão na Ásia (ClimaInfo).

E mais um recorde histórico de calor na Terra foi apontado pelo observatório europeu Copernicus. As temperaturas globais da superfície em março passado foram 0,10°C mais altas do que o recorde anterior para o mesmo mês, de 2016. A temperatura média em março foi 1,68°C mais quente do que a média histórica pré-industrial (1850-1900) para o mês.

Assim, o último mês foi o décimo seguido com calor recorde, uma marca que preocupa os climatologistas. Considerando os últimos 12 meses (abril de 2023 a março de 2024), a temperatura média global na superfície é a mais alta já registrada, cerca de 0,70oC acima da média de 1991-2020 e 1,58oC acima da média pré-industrial.

O calor foi sentido mais no Hemisfério Norte, na América Central, em partes da América do Sul, no sul da Austrália e em partes da Antártica e da África. Já a temperatura média da superfície do mar em março ficou em 21,07oC, a mais alta já registrada até hoje, e ligeiramente superior à registrada em fevereiro (21,06oC), apontou o ClimaInfo.

Parlamentares ignoram os impactos da crise climática

Só que nada disso parece incomodar quem está de olho nos seus ganhos em ano de eleição. Vários projetos de lei em tramitação, no Congresso Nacional prejudicam o equilíbrio ecológico e trarão gravíssimas consequências para todos, inclusive climáticas. Querem mudar o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e o licenciamento ambiental está na berlinda.

Tem ainda o PL 2168/2021, que permite a: irrigação em Áreas de Preservação Permanente, que propõe o enquadramento de obras de infraestrutura de irrigação e dessedentação animal como atividades de “utilidade pública”. Seria uma das exceções para a supressão de vegetação nativa das APPs previstas pelo Código Florestal, junto de interesse social e baixo impacto ambiental. Mas e quem fiscalizaria? Sabemos que os órgãos ambientais não conseguem dar conta da demanda que já têm.

É realmente impressionante como já estamos sentindo os impactos da crise climática e mesmo assim querem prejudicar ainda mais o funcionamento de diversos serviços ecossistêmicos promovidos pelas APPs. A vegetação nativa é fundamental para a biodiversidade (polinização, corredor de fauna, impede a erosão etc). A mata ciliar serve de proteção para o rio, para os arroios, como os cílios para os nossos olhos. Além disso, especialistas no tema asseguram que vários represamentos ao longo dos rios e cursos d’águas, impacta diretamente na qualidade e disponibilidade das águas, agravando conflitos por recursos hídricos.

Mas o pior de todos é o PL 2159/2021, que desmonta o licenciamento ambiental. O PL estabelece novas normas para licenciamento de atividades ou de empreendimentos com alto potencial de degradação ambiental. Foi apelidado de “PL da Devastação” pelos ambientalistas. O PL dispensa a maioria dos licenciamentos ambientais do país. Se aprovado, a maior parte dos empreendimentos e atividades econômicas precisaria apenas realizar um procedimento autodeclaratório na internet, sem nenhum tipo de análise prévia dos órgãos ambientais, e sua licença seria emitida automaticamente – a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Até sair o veredicto de que é inconstitucional, muito estrago será feito.

Conforme o consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), o “PL 2.159 vai provocar o descontrole geral de empreendimentos geradores de impactos ambientais, como o desmatamento e a poluição. É a maior ameaça atual contra o meio ambiente, a saúde e a segurança da população no país. Precisamos evitar esse retrocesso histórico”.

Ainda tem o PL 364, de 2019, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que foi articulado por deputados gaúchos que é um ataque à proteção de ambientes naturais com campos. Para os biólogos, o impacto da proposta é incalculável à proteção da vegetação nativa brasileira, pois há vários ecossistemas com formação não florestal, entre eles no Pampa, na Amazônia, no Pantanal e na Mata Atlântica que tem formação campestre.

Impactos da Crise na Província de São Pedro

Enquanto isso, na nossa própria aldeia esse ímpeto do que é bom para uns deve ser enfiado goela abaixo da maioria também tem reinado. Vale lembrar que a maioria dos parlamentares da Assembleia Legislativa e da Câmara dos Vereadores votam conforme as vontades dos chefes do executivo. O governador Leite sancionou o PL que permite a construção de barragens em APP, contrariando os funcionários da Fepam, que emitiram nota da Associação de Servidores contra o projeto.

E no meio de tantos interesses, o que é essencial, crucial para a nossa qualidade de vida, para a sobrevivência dos seres vivos, se mistura a narrativas absurdas – boa parte justamente para enganar os que acreditam nos que detém o poder de comunicar (que pagam impulsionamentos para bigthecs que não querem combater a desinformação.

No dia 7 de abril, vi muitos cards, recebi cumprimentos inclusive, pelo dia do jornalista. Não me lembro dessa efeméride ter sido tão festejada antes. Também, nunca a profissão de jornalista foi tão, tão mal tratada. Parece que aqueles que querem desvelar o que anda por trás das coisas precisam ser combatidos. Nem vou levantar argumentos quanto ao mérito da necessária a volta do diploma para jornalistas, o quanto os profissionais deveriam ser melhor remunerados. Só que apesar de ter uma infodemia, nunca se precisou tanto de gente que decodifique, que explique o que está acontecendo, onde estamos metidos.

STF, a Geni da vez

Se antes, na história da civilização só os letrados tinham acesso à leitura, à escrita, hoje massas dispõe de smartphones manipulados por algoritmos. E cada um consegue compreender a história conforme o seu universo, a sua experiência, ou o que o seu pastor, o seu líder explica. É fácil espalhar desinformações, inventar histórias, fofocas – como a que vivemos uma ditadura do STF no Brasil, de que há censura etc. Quem reclama do STF, da justiça, geralmente é quem defende a ditadura e quem pratica várias formas a censura. E o pior de tudo é que se o Supremo seguir a lei, determinar as penalidades previstas, daí sim os caras vão reforçar o quanto estão sendo perseguidos.

Vou dar um exemplo concreto. No governo federal anterior, dificilmente as assessorias de imprensa davam retorno às solicitações dos jornalistas de veículos de comunicação. Era comum, até no Jornal Nacional, a matéria terminar com o apresentador dizendo que até o momento do fechamento da edição, não havia tido resposta.

Hoje, tanto governo do Estado gaúcho, como a prefeitura de Porto Alegre, proíbem servidores públicos de falar com a imprensa. Sempre que pedi entrevistas ou informações, quando recebi o retorno (a maior parte das vezes depois do prazo e com muita insistência) era através de uma nota, de uma resposta por escrito que foi mediada pela assessoria de imprensa. Ainda bem que se tem associações de funcionários e sindicatos que podem se manifestar.

Esse tema é árido, sugiro inclusive que você conheça e siga o Intervozes, que aborda bastante os vários lados da desinformação e o que o Musk que não é perfume tem aprontado mundo afora. No entanto, faço um desabafo porque há muitas coisas em jogo no meio dessa guerra alimentada pela extrema direita e os bilionários (contra regulamentação das redes sociais, agronegócio, a turma do libera geral o licenciamento). Isso que nem toquei nas guerras que ameaçam a vida de milhões de inocentes.

Talvez fosse melhor ficar por fora do que está acontecendo na geopolítica planetária. Só que a lucidez tem seu preço. Como recebo links, indicações de leituras, lives etc. de vários lados, percebo o quanto é chocante saber que há manifestações contra a ONU, contra os preceitos do ESG, pra aperfeiçoar a gestão de empresas e organizações. Questões que demoramos décadas enquanto civilização para avançar. Crise climática então… para eles, é tudo invenção? É mais conveniente, né?

Ao mesmo tempo, nesse tabuleiro há ciladas que estamos vivendo no local que são expressões nítidas do quanto os tentáculos dessa visão neoliberal do quanto o interesse de uns está sendo imposto e muito bem articulado para destruir a construção de preceitos básicos da democracia. Os conselhos, os comitês, as instâncias de participação onde a sociedade civil, a academia, especialistas voluntários, cujo o único interesse é o bem comum, podem emitir suas opiniões, ter voz, estão sendo tomadas, carcomidas por representantes desses caras que defendem o Elon Musk. Já escrevi sobre a situação do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e sobre os comitês de bacia hidrográfica.

No final de semana, estive em um condomínio no litoral gaúcho e me deparei com um carro com o adesivo pró-Trump. Ou seja, o inimigo do bom senso, da civilidade, do diálogo está entre nós. Ele está cada vez mais se apropriando dos lugares conquistados com muito esforço. A democracia está sob ameaça em vários cantos, é só sentir o clima por onde os olhos passam, dentro e fora das telas. Isso não é novidade. O que é novo é que a cada dia mais ousados são os movimentos da turma da desregulamentação.

Então, qual é a alternativa para quem sabe o significado disso tudo? Difícil, né. Mas como tenho convivido por tabela com o ambiente de quartos, corredores de um hospital público, onde as paredes ouvem histórias tristes, cabeludas e insolúveis, acabo valorizando o que me cerca. Minhas plantas, um pôr do sol, as laranjas crescendo no vaso, o sabor das frutas compradas na feira orgânica, a saúde dos que me cercam. E não adianta reclamar do calor, dos fogachos. O clima já está e vai ficar mais quente.

Precisamos, mais do que nunca valorizar as pequenas coisas. Os micros prazeres. Os amigos e as amigas verdadeiras. A saúde. Ah, a saúde mental precisa ser exercitada para não embarcar nas loucuras que rodam a nossa volta. Cantar no coral, ouvir música boa, tem sido uma ótima opção. Como tudo na vida, esses ataques à sociedade, ao imaginário e ao real, um dia vão passar. Tudo passa.

Leia mais textos de Sílvia Marcuzzo aqui.

 

Texto originalmente publicado na SLER

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