Planejamento urbano e crise climática: uma relação tensa nas cidades

Autoridades municipais precisam atualizar seu olhar sobre os planos diretores e passar a discutir como mitigar efeitos das mudanças climáticas

O que Florianópolis (foto da capa), Xangri-Lá e Porto Alegre têm em comum? As três tem praias. Mas só a situada no litoral gaúcho tem boa balneabilidade em toda sua orla. Ah, isso a difere em vários pontos. Xangri-Lá é um município com 14 mil habitantes fora da temporada. E a prefeitura de lá acha o máximo ser chamada de a capital dos condomínios.

O que mais elas têm em comum é que elas estão passando pelo processo de reconfiguração dos seus planos diretores. E as três contam com movimentos da sociedade civil que estão empenhados em enfrentar a maré da verticalização a qualquer preço. Os três municípios dispõem de governantes e parlamentares que talvez nem saibam o que significa para seus territórios o aumento da temperatura do planeta. Também parecem estar pouco se lixando para a qualidade de vida das gerações que estão por vir.

Nesses três municípios, o poder público tem demonstrado não considerar os efeitos das mudanças climáticas no dia a dia dos seus moradores. Espera-se que esse assunto e tudo que isso implica, seja considerado na nova legislação. Afinal, difícil encontrar quem não esteja destilando nos últimos dias no Rio Grande do Sul. E isso tem tudo a ver com a crise climática. Um risco para idosos, crianças entre outras pessoas vulneráveis. Sem falar nos efeitos na agricultura, como já escrevi aqui esses tempos.

Dá uma conferida na matéria da Metsul aqui que trata do aquecimento radical que estamos atravessando. E marque essa data: 16 de março é o Dia Nacional de Conscientização das Mudanças Climáticas! Foi instituído pela Lei 12.533/2011 com o propósito de ampliar as discussões e conscientizar sobre esse complexo assunto e tudo que ele implica.

Participei a semana passada dos debates do eixo sobre ambiente natural, mais especificamente sobre área de risco, na Conferência de Avaliação do Plano Diretor de Porto Alegre. Mesmo com tantas evidências da alteração climática, senti que esse assunto era pouco dominado ou de baixa preocupação dos participantes.  No plano atual, esse tema sequer é mencionado.

Há vários pontos polêmicos, entre eles a altura das edificações, se a prefeitura pode se valer de decretos para mudar o plano e também a necessidade de se ouvir comunidades da periferia, indígenas, quilombolas. A prefeitura de Porto Alegre tem se colocado em uma posição favorável ao aumento dos índices construtivos. No entanto, o atual contexto exige que a cidade se configure para suportar eventos extremos, temperaturas mais altas e também mais baixas.

Confira aqui o resultado dos trabalhos dos grupos, o que ficou definido e foi recomendado na plenária da Conferência de Avaliação do Plano Diretor do Porto Alegre.

Vale acompanhar a cobertura da Bruna Supitz no Jornal do Comércio. Os demais veículos da Capital têm tratado essa pauta com superficialidade. Para a Bruna, a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, que iniciou em 2019, não tem prazo para ser concluída. A expectativa do prefeito Sebastião Melo (MDB) é enviar o projeto de lei para a Câmara Municipal em 2023, até o final do ano. Depois de atendidas todas as etapas do processo que são de responsabilidade do Executivo.

Melo tem aliados o suficiente para aprovar sem dificuldades projetos como esse, que demandam maioria absoluta. Porém, Bruna acredita que o Plano Diretor é diferente de outras propostas. “Trata da definição em lei de onde, na cidade, poderão ser realizados grandes investimentos públicos e privados, especialmente da construção civil. Com isso, a tendência é que vereadores também queiram deixar a sua marca, estendendo assim o trâmite legislativo,” acredita com otimismo.

Espero que a sociedade civil se organize e consiga vereadores que defendam medidas de enfrentamento do contexto das mudanças climáticas. Pois, hoje, o que se vê na cidade são iniciativas completamente contrárias ao que preconiza uma boa gestão: um desrespeito grande à arborização (fundamental para suportar as altas temperaturas no verão); uma grande impermeabilização do solo (agravante para áreas alagarem mais rápido); um descontrole total nas ocupações irregulares em áreas de risco e a demolição de inúmeras casas para erguer farmácias com amplo estacionamento, espigões e estacionamentos. E para piorar: nenhum programa integrado de educação ambiental em departamentos e secretarias do governo que abordem temas como a necessidade de verde, respeito às árvores, correta separação e destinação de resíduos etc.

Em Floripa, as sugestões da sociedade civil são desconsideradas

Em Florianópolis, a situação é complicadíssima. A jornalista Míriam Santini de Abreu conta que há muita insatisfação com o processo de revisão do Plano Diretor. Esse tema tem preocupado os movimentos populares desde os anos 1980, quando se organizam para evitar a degradação do município, consagrado pela bela paisagem em meio à Mata Atlântica.

Ela diz que a sociedade civil organizada está descontente com a forma como a Prefeitura e a Câmara de Vereadores tratam a participação popular exigida em lei – o Estatuto da Cidade e as Resoluções 25 e 32 do Conselho Nacional das Cidades – para a construção do plano. “As audiências públicas ocorreram depois de uma batalha judicial junto ao Ministério Público e ao Judiciário, mas o problema é que as críticas e sugestões nelas apresentadas são desconsideradas, não cumprindo a função prevista em lei”, explica.

Segundo Míriam, parte das críticas alerta para o fato de o projeto da Prefeitura desconsiderar que uma cidade costeira, como Florianópolis, precisa se preparar para as mudanças climáticas e a maior frequência e intensidade de eventos extremos. A capital catarinense também tem evidências do poder de destruição, como na histórica enchente ocorrida no Natal de 1995. Mais recentemente, em novembro de 2022, a cidade teve muitos estragos provocados pela intensa chuva. “Em vez de lidar com essa realidade, o projeto em análise permite, por exemplo, avanço sobre áreas de preservação permanente e de alta declividade, e há vários artigos que atropelam a legislação ambiental federal”, acrescenta a jornalista. Clique aqui https://planodiretor.libertar.org para conferir a proposta elaborada pelas organizações da sociedade civil de Floripa.

Crise climática fora da pauta em Xangri-Lá

Já em Xangri-Lá, o assunto mudanças climáticas sequer é mencionado tanto pelos representantes dos poderes legislativo e do executivo, quanto pelos integrantes do movimento pela manutenção da horizontalização do município. Lá a maior preocupação é a verticalização. Os “moranistas”, como se autointitulam, não querem que seja permitida a construção de prédios com até 14 andares, em algumas áreas definidas. Eles defendem a instalação do saneamento básico, pois hoje grande parte das edificações e casas se valem de fossa séptica.

Diva Ana Cenci, presidente da ONGMAR, de moradores e amigos da Praia do Remanso, conta que os Ministérios Públicos Estadual e Federal têm atuado para evitar maiores impactos ambientais. Inclusive os trabalhos para continuidade do processo do plano diretor foram barrados pela Justiça Federal, pois as demandas para o saneamento básico não foram atendidas. “Mas a construção civil continuou de vento em popa!

E o saneamento básico está num jogo de empurra-empurra entre a prefeitura e a Corsan”, acrescenta.

Secretário da ONU alerta governos sobre situação do planeta

Enquanto os municípios brasileiros sofrem com a falta de visão de longo prazo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, tem insistido direto quanto à necessidade de os cientistas apresentarem “fatos duros e frios” da crise climática para pressionar os governos por ações imediatas no seu enfrentamento.
Em mensagem aos membros do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), afirmou: “[os países] precisam de orientação científica sólida, franca e detalhada para tomar as decisões corretas para as pessoas e o planeta. Eles devem entender as enormes consequências do atraso e os enormes dividendos de fazer escolhas difíceis, mas essenciais”, disse Guterres.
O IPCC esteve reunido dias atrás em Genebra, na Suíça, para aprovar o relatório síntese do 6º ciclo de revisão científica sobre a mudança do clima, iniciado em 2021. O chefe da ONU lembrou que este é o primeiro ciclo realizado depois da aprovação do Acordo de Paris, em 2015, e que os governos realizarão na Conferência de Dubai (COP28), no final de 2023, o primeiro balanço global das ações climáticas empreendidas sob esse regime.

“Estamos nos aproximando do ponto sem volta, de ultrapassar o limite internacionalmente acordado de 1,5°C de aquecimento global. Estamos perto disso, mas não é tarde demais [para agir], como vocês demonstraram”, afirmou Guterres, citando a análise de 2022 do IPCC sobre a viabilidade da meta de 1,5oC. Saiba mais aqui.

Para encerrar, resumo: a conscientização sobre esse contexto precisa vir de todos os lados. Pois no varejo, na ponta, nas decisões dos municípios esse assunto é algo longe das demandas rotineiras. É fundamental que esse tema perpasse por todos os lugares: universidades, conselhos profissionais, associações de legisladores, federações de municípios. Mas será que é possível isso acontecer enquanto gente com cabeça de século XX continuar no poder? Pense nisso. Se a ficha caiu para você, você pode colaborar para que o clima fique menos ruim do que já está.

Foto da capa: Reprodução do Youtube

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