A ordem é transversalidade

Ministras recém-empossadas precisam unir forças para enfrentar os desafios da crise climática

As posses dos ministérios têm promovido muita esperança, até de certo modo, euforia, expectativa. Não é para menos. Muita gente que tem alguma noção do contexto que atravessamos está chorando de emoção. Talvez daqui alguns anos, alguns dos que defenderam o que ocupava o mais alto posto da República, vão se dar por conta do que significou os anos de retrocesso civilizatório a que fomos submetidos.

Para a ministra Marina Silva, a titular do Meio Ambiente, conseguir colocar em prática o que anunciou no seu discurso, será importante contar como aliada a ministra Margarete Menezes.  Vou tentar explicar o porquê. Estratégias de comunicação e iniciativas envolvendo a cultura serão fundamentais para combater o desmatamento, o negacionismo e a reconstrução de tantas políticas que foram destruídas nos últimos anos.

decreto nº 11.336 (01.01.23), que criou o Ministério da Cultura traz inovações interessantes e que devem valorizar os preceitos para construção de uma sociedade de “sustentabilistas”, como mencionou a ex-senadora e eleita deputada federal  de SP, Marina. Aliás, vale conferir o discurso dela, clique aqui.

O Ministério da Cultura, que foi destituído pelo governo passado, terá uma Secretaria de Economia Criativa e Fomento à Cultura. Esse novo arranjo pode movimentar e girar nossa economia e ainda incentivar a valorização do nosso patrimônio sociocultural.  E aí eu indago: e por que não também valorizar e respeitar nossos recursos naturais? Para ser transversal, de fato, como o presidente Lula tem anunciado, é essencial que considere os aspectos ambientais.

O decreto lista pelo menos 20 competências dessa nova secretaria, entre elas:

 “planejar, implementar e apoiar ações para qualificação de sistemas, para a formação de agentes culturais e para a capacitação de atores da gestão pública cultural; mapear, diagnosticar, planejar, propor e implementar novas modalidades de fomento para os programas e projetos culturais, isoladamente ou em parceria com órgãos públicos e entidades privadas; articular junto a órgãos públicos a inserção da temática da economia criativa nos seus âmbitos de atuação”.

Confira o que diz Jorge Piqué, um dos precursores da economia criativa em Porto Alegre no seu canal do YouTube.

Através de programas de economia criativa é possível trabalhar muitos temas transversais. Bioeconomia, conservação, turismo, transporte, educação… Através de experiências em meio a natureza (Ministério do Turismo) quanta gente pode acordar para a necessidade de se manter áreas preservadas? Eu já visitei lugares que teriam muito mais sucesso se os restaurantes utilizassem Plantas Comestíveis Não Convencionais (PANCs), se tivessem uma gastronomia que cultivasse espécies nativas, se tivessem uma decoração com artesanato e artes locais, empregassem mão de obra local etc. E a formação pode envolver capacitações sobre o funcionamento da natureza. Tudo isso pode ser fomentado por essa nova secretaria!

O que Marina almeja exige mudanças de paradigmas culturais

A aspiração de Marina e dos movimentos socioambientais requer a mudança de uma cultura predatória, que ainda acha que os recursos naturais são infinitos e que a crise climática é conversa para boi dormir. Precisamos de iniciativas de alfabetização climática e sustentabilidade.

Como tenho escrito aqui na Sler, o primeiro passo para a sustentabilidade começa pela questão cultural, como preconiza a Fluxonomia. O nosso modus operandi é que precisa ser transformado. Mais consumo consciente, incentivos à economia local e menos desperdício, aquisições por impulso. E isso tem tudo a ver com o agravamento das mudanças climáticas, outra prioridade deste governo, segundo o próprio presidente.

Agenda climática ganha força

Só para terem uma ideia, foi recriada a Secretaria Nacional de Mudança do Clima no MMA (a sigla permanece, mas o nome do ministério passa a ser Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e até março deste ano será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática. Também será criado um “Conselho Nacional sobre Mudança do Clima, a ser comandado pelo próprio Presidente da República e com a participação de outros ministérios, da sociedade, dos estados e municípios”. O Conselho será o ponto focal para a concertação e pactuação das políticas brasileiras sobre mudança do clima, e, conforme o discurso da ministra, irá além da esfera federal. E, ainda, a nova administração propõe o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, instância destinada a concatenar as decisões do Conselho em políticas formuladas pelos diferentes ministérios do governo.

A complexidade da crise climática exige uma transversalidade que precisa tocar o coração das pessoas, dos CEOs, dos tomadores de decisão e também dos políticos. Vale lembrar que o mestre Caetano cantou Terra quando foi até o STF durante o dia de mobilização com shows de vários artistas engajados para evitar os diversos Projetos de Lei com retrocessos ambientais em março do ano passado.

Como país de maior biodiversidade do mundo e enorme diversidade cultural, os artesãos, os artistas, os produtores culturais do Brasil devem compreender o quão necessário é empregar preceitos da sustentabilidade para esta e futuras gerações na realização dos seus trabalhos. O imortal Tom Jobim foi responsável por tanta gente despertar para a riqueza da Mata Atlântica através das suas músicas. E o Passaredo do Chico Buarque, do disco Caros Amigos, chamou a atenção do perigo da ação do homem sobre à floresta, habitat das aves.

Esse assunto me toca profundamente, pois na condição de artista e de frequentadora de ateliês, galerias, vejo muito pouco a comunidade artística preocupada com o impacto do seu processo criativo ou então do que vai gerar o resultado final da sua criação. Isso sem falar dos espetáculos, dos shows ou então de grandes festivais.

Claro que há exceções, como o trabalho do Mundano, do Fernando Limberger, nas artes visuais. Por isso, que é preciso incluir em editais, em leis de incentivo ações que minimizem impactos de empreendimentos culturais grandes e práticas artísticas. Seria importante valorizar mais os projetos que se preocupam ou consideram aspectos socioambientais.

Por outro lado, já passou da hora de termos apenas campanhas de educação centradas só em aspectos ambientais. É preciso relacionar a situação ambiental com outras áreas. Com essa nossa cultura de telas e espetáculo, as produtoras, os artistas precisam também incluir em suas manifestações aspectos socioambientais, que vão além do entretenimento e do lucro.

Vou dar um exemplo do que sinto aqui onde moro, no Rio Grande do Sul. A cultura gauchesca é fortíssima, mas não conheço algum grupo ou artista que dissemine práticas mais amigas do ambiente, como separar os resíduos, evitar desperdício ou sobre a nossa pegada de carbono. São raros os artistas que difundem em suas redes atitudes de cidadania planetária.

Então, que tal também incluir a Ana Moser, Ministra dos Esportes, nessa jogada? Já pensou se antes das partidas nos estádios passassem nos telões dicas de cidadania, como o cuidado com os resíduos, com a saúde das pessoas e do planeta? Seria sonhar demais? Pode ser. Mas algo só se tornou realidade se alguém sonhou antes…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima