As evidências do quanto as mudanças climáticas têm afetado o Rio Grande do Sul fizeram com que o governado Eduardo Leite lançasse o plano Estratégias para Ações Climáticas do ProClima 2050.
O evento, no dia 23, contou com a presença de secretários de governo na Fábrica do Futuro, em Porto Alegre.
A meta anunciada é reduzir em até 50% as emissões até 2030 e a zerá-las até 2050.
Entre as novidades anunciadas pelo governador estão a criação do Gabinete de Crise Climática, que terá uma secretaria executiva e dois conselhos, um de crise e outro científico.
A estrutura apresentada pelo governador inclui três eixos: prevenção, mitigação, preparação, que contará com dois comitês: um de adaptação e resiliência e outro de monitoramento e alertas; outro de resposta, com comitês de socorro e assistência humanitária; e outro de reestabelecimento e recuperação com comitês destinados a esses temas. Não foi informada a data de quando será instalado o gabinete.
Na oportunidade, foi assinado um contrato de governança climática com o Iclei, organização internacional, que também tem prestado serviços para a prefeitura de Porto Alegre.
O contrato de R$ 1,5 milhão envolve a realização de um inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEEs), análise de riscos e de vulnerabilidades climáticas, estudos para descarbonização de cadeias produtivas e planos de mitigação e adaptação.
Resposta midiática
Para o presidente da Associação dos Servidores da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Assema), Pablo Tadeu Pereira da Silva, o anúncio é “uma resposta midiática frente aos problemas da gestão relacionados aos recentes eventos climáticos extremos, com a sua falta de prevenção adequada, de rápida resposta e também de uma ausência efetiva de gestão de riscos e desastres”.
Ele cita a abundância de estudos prontos, ignorados pela atual gestão. “O que foi construído ao longo de anos, o Zoneamento Ecológico Econômico e a proposta de Política Estadual de Gestão de Riscos e Desastres, por exemplo, o Estado pagou uma fortuna e não estão sendo considerados”. Para o ZEE, o trabalho começou em 2012, foram realizados diagnósticos, oficinas e uma série de atividades finalizadas em 2019.
Pereira ressalta que a iniciativa colherá ações positivas, “se o governo aproveitar verdadeiramente as instituições de pesquisa, os servidores públicos qualificados e as organizações da sociedade civil ambientais e as comunidades tradicionais. Do contrário, estará mais para uma jogada de marketing”.
O representante da Assema encaminhou um ofício à secretária Marjorie Kauffmann onde elenca uma série de ações a serem feitas para adaptação à crise climática em 19 de setembro deste ano.
Ele aguarda ainda o retorno que demonstre abertura de diálogo.
Entre as medidas destacadas no documento, estão a análise das inscrições dos imóveis no Cadastro Ambiental Rural.
O CAR já tem mais de uma década e o Estado nem começou as análises. O RS é um dos mais atrasados do bioma Mata Atlântica, diz o documento.
Plantios e recuperação de matas
Outro anúncio do governador que intriga o analista ambiental é que ao mesmo tempo que o governo comemora o Tratado da Mata Atlântica, plano conjunto de metas ambientais que prevê o plantio de 100 milhões de mudas de espécies nativas em ações de reflorestamento até 2026, a gestão atual não faz seu dever de casa com relação ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
O programa prevê medidas de cobrança do enorme passivo de adequação à legislação para áreas de preservação permanente (APPs), de uso restrito e reserva legal.
O tratado foi assinado pelo Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), formado por governadores dessas regiões, em São Paulo, com a presença do governador no último dia 21.
No entanto, a inoperância do PRA e do CAR impede a recuperação de milhares de hectares, que em grande parte são áreas de risco ou mitigam os impactos de estiagens e enchentes.
Área técnica do quadro quer ser ouvida
Uma das reclamações dos técnicos é que o governo Leite não chama o corpo técnico dos órgãos ambientais para a tomada de decisões.
“Nos dois mandatos do Leite nunca fui chamado para debater qualquer assunto relacionado a minha área,” observa um técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
“E quem se manifesta quanto a isso ou outras questões técnicas é colocado na geladeira,” denuncia o funcionário concursado, que prefere não se identificar.
Falta paridade no Consema
O próprio Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) tem sua composição dominada por integrantes do governo e por representantes de setores que estão lá para defenderem seus interesses. As organizações da sociedade civil também reclamam da falta de paridade nas vagas.
Segundo Paulo Brack, presidente da ONG Ingá, o Consema tem 31 membros e há um desequilíbrio de participação. “As entidades ambientalistas têm só cinco representantes e o governo 13 e estão alinhados com as cinco federações que formam maioria para aprovar pautas do governo e/ou do setor econômico,” explica Brack, que é professor de Botânica da Ufrgs.
O secretário adjunto da Sema, que tem presidido as sessões do Consema, é Marcelo Camardelli. Ele já integrara o conselho pela Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
É conhecido por defender medidas que fragilizam a legislação ambiental, consequentemente, que agravam os impactos da crise climática.
Inclusive a Coalizão pelo Pampa denunciou sua posse na Comissão de Ética do Governo e assinou uma manifestação contra a medida.
Sua posição privilegiada pode ter sido determinante para o Zoneamento da Silvicultura ter sido aprovado para quadruplicar o plantio de exóticas no Pampa, observa o analista ambiental.
Vagas do corpo técnico ocupadas por CCs e indicados do governo
Outra reclamação é que as vagas destinadas ao corpo técnico da Sema/Fepam no Consema são ocupadas por indicados da atual gestão, incluindo cargos em comissão (CCs).
“Sugerimos vários nomes que não foram acatados. Ou seja, a gestão da Sema tende a ficar com duplicidade de voto, pois já tem a sua própria cadeira e mais a do representante do corpo técnico que é indicado por ela mesma. Entendemos que isso é ilegal! Eles se valem dos cargos de chefia e de assessorias para votar as decisões, que muitas vezes não representam a opinião geral dos técnicos da Sema e da Fepam,” contesta o presidente da Assema.
Esses são alguns dos motivos que fontes ouvidas pela reportagem não apostam tanto na efetividade do ProClima. O governo já foi para Glasgow, para a COP 26, Conferência das Partes sobre o Clima, e deverá ir na próxima, a ser realizada em dezembro, em Dubai.
“O governador faz viagens internacionais acompanhado de cargos em comissão, que geram muitos poluentes e ainda são de alto custo aos cofres públicos. Enquanto isso, alega falta de recursos para estruturar as Unidades de Conservação ou fornecer equipamentos básicos de segurança para o exercício da fiscalização ambiental pelos servidores”, lamenta Pablo Pereira.