O RS e o Brasil têm muita gente capaz de trazer alternativas, propor soluções para sairmos desse emaranhado antropocênico que estamos metidos
Enquanto a vibração da marola da enchente ainda reverbera dentro de mim, tenho encontrado alguns refúgios para ouvir e participar de eventos, lives, webinars com pessoas que sintetizam a inteligência desse lugar em que habito. Sim, o Rio Grande do Sul, o Brasil, tem muita gente capaz de trazer alternativas, propor soluções para sairmos desse emaranhado antropocênico que estamos metidas.
Articulação pela resiliência
E vou contar um pouco aqui do que presenciei nesses últimos dias. Vou começar por ordem cronológica decrescente. Na terça-feira, dia 18, o Pacto Alegre e o POA Inquieta promoveram um evento presencial muito interessante com profissionais focados na resiliência e adaptação. E o denominador comum entre eles foi a necessidade de escutar, considerar a opinião das comunidades atingidas.
Fiz uma entrevista com um dos painelistas, o arquiteto Tiago Holzmann, que dá um resumo do começo do encontro, que reuniu gente de vários segmentos. Sob o tema “Qual a cidade que iremos viver? Apresentação de Projetos de Habitação Resiliente”, a iniciativa evidenciou a necessidade de uma abordagem integrada, que contemple não apenas a reabilitação física, mas também a revitalização econômica e social, com uma visão de longo prazo para as milhares de pessoas que foram expulsas pelas águas nos desastres climáticos do Estado.
Se você quiser conferir as apresentações de várias organizações e pesquisadores, clique aqui.
Estiveram presentes representantes de escritórios de arquitetura, coletivos como o POA Inquieta, TransLab Urb, a ONG TETO Brasil, o Instituto Social Pertence (que destacou que inclusão não é um favor), docentes da UFRGS, da Univates, da Unisinos e do Departamento Municipal de Habitação da prefeitura de Porto Alegre. Agora peço a todos que rezem para que os nossos governantes ouçam e repensem o que andam fazendo, pois o encontro mostrou o quanto a prática dos governos gaúchos anda longe das tendências de sustentabilidade e inclusão.
O que aprendemos com o desastre?
No dia 17, segunda, a semana começou com um webinar incrível, onde dois dos grandes cientistas e painelistas, que fazem parte da minha formação, participaram. Os professores Francisco Aquino e Rualdo Menegat não só esclarecem o nosso contexto, como também evidenciam o quanto nossa posição geográfica é peculiar e frágil para a ocorrência de desastres climáticos. A iniciativa, promovida pelo ClimaInfo e Observatório do Clima, abordou a reconstrução preventiva do Rio Grande do Sul. E o título chamou o público, grande parte de fora do Estado, com perguntas: O que aprendemos com a tragédia do Rio Grande do Sul? Como a sociedade tem que se reconstruir prevendo mais e mais eventos extremos?
Além dos professores da UFRGS, Guilherme Simões, Secretário Nacional de Periferias do Ministério das Cidades, e Thaynah Gutierrez, da Frente por uma Adaptação Anti-Racista, falaram sobre vários lados do episódio que geralmente não ouvimos por aqui.
Thaynah, por exemplo, reforçou o quanto as populações que ocupam áreas de risco não podem ser criminalizadas por estarem nesses locais. E defendeu que antes de serem removidas, precisariam ser estudadas as possibilidades de permanecerem nos locais. Na hora, fiquei pensando na situação do Delta do Jacuí. Nossa esponja natural do Guaíba. Será que teriam como aquela comunidade continuar morando nessa área que foi pensada anos atrás para ser um Parque Estadual, depois virou APA e depois a Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) parece que abandou a ideia de manter a Unidade de Conservação? Ela falou de áreas com risco de deslizamento e se referindo a populações vulneráveis. Só que no nosso caso aqui, gente de todas as classes sociais foram atingidas pelo desastre de enchentes e enxurradas.
Vale lembrar que o próprio acesso para “colonização” do RS se deu pelos rios. E, agora, a água está simplesmente avançando conforme as leis da física mandam. E o funcionamento da natureza, as mudanças climáticas, não vão esperar os ciclos de tomada de decisão. Falta de convergência para agenda do clima e, como temos visto, os governos não se conversam.
Também não podemos deixar de compreender o que significa termos o maior sistema de lagoas costeiras do mundo. Segundo Menegat, temos uma configuração geomorfológica onde as águas vão chegar. E a Capital e a Região Metropolitana são áreas esponja. Vale conferir as palestras no YouTube do ClimaInfo.
Esse slide do professor Rualdo, é uma síntese dos motivos de termos atravessado por tamanha desgraça.
Jornalistas destacam as peculiaridades da cobertura
É tocante ver o tanto de gente que está preocupada com os rumos do pós desastre por aqui. Ao mesmo tempo, sinto que tudo que aconteceu dá indícios de ser um divisor de águas para muitos. Para mim, que fui atingida, cobri do jeito que consegui as tantas inundações de falta de respeito, de ausência completa de cuidados com meio ambiente, é muito interessante também ouvir o quanto esse acontecimento mexeu com outros colegas jornalistas.
No webinar promovido pela Associação Riograndense de Imprensa (ARI) no sábado, dia 15 de junho, ouvi colegas contando o quanto foi estressante acompanhar esse momento histórico. Saber dos bastidores da notícia, é algo revelador também. Boa parte de quem cobriu os desdobramentos das enxurradas foi atingido ou teve redução de equipe porque alguém do grupo foi severamente prejudicado. Dá para dizer que foi um esforço hercúleo ter feito a cobertura, especialmente quem não tem estrutura de um grande veículo, como transporte e mais gente para dividir a missão.
O gerente de jornalismo do Correio do Povo Jônatas Costa contou o quanto os impactos das enchentes exigiram resiliência. A contar que a própria sede do jornal, onde ocorre a impressão e a redação, foi alagada. Ele confessou que está com problemas de saúde mental, pois já tinha enfrentado outra enchente em Alvorada.
Kátia Marko, do Brasil de Fato, comentou as inúmeras mensagens de pedido de socorro que recebia enquanto trabalhava. E, confesso: ninguém consegue continuar uma pauta sem tentar ajudar pessoas nessas condições. Passei por isso também. Nos primeiros dias, enquanto a água subia, gente de diversos grupos ficava pedindo para que fossem salvas. É algo que teremos que ainda processar. Rende muito registrarmos o que que não foi publicado.
Luís Eduardo Gomes, do Sul 21, que tem feito uma cobertura socioambiental diferenciada, especialmente pelo Lú Velleda, um queridão que conheci nos tempos de governo Olívio Dutra, salientou o quanto o veículo alternativo tem se empenhado em trazer à tona a pauta ambiental permanente.
Vale ler o registro feito pelo Wálmaro Paz no Brasil de Fato, onde também tem o link para o webinar. Neste sábado, haverá outro, às 10h, no Facebook da ARI, com colegas de outros veículos.
Foto da Capa: Secom/RS
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Texto originalmente publicado na SLER