Tudo faz parte de um gradiente. Entre o branco e o preto, há milhares de tons de cinza e outras tonalidades de cores
Tudo faz parte de um gradiente. Não tem nada a ver com aquela marca dos anos 80, famosa pelos três em um ou por ser o primeiro aparelho de som da infância. Nesse caso, é que entre o branco e o preto, há milhares de tons de cinza. E a percepção dessas nuances ainda envolve uma imensa paleta de outras tonalidade de cores. Para muitos, isso é óbvio, não é qualquer novidade.
Só que essa analogia pode ser adotada para várias coisas, ou melhor, para quase tudo. Oi, tudo bem? Como estás? Ah, hoje estou na escala pantone, 60% branco, 35% vermelho 5% preto… Se cada cor tem seus significados, e isso também tem tudo a ver com a cultura onde estamos inseridos, há inúmeras possibilidades. Geralmente, para encurtar a história, acelerar o momento, acabamos respondendo: tudo bem. Não entramos no detalhe das porcentagens dos pigmentos que sinalizariam como está nosso estado geral. Mesmo a precisão da resposta, na nossa cultura, nem é esperada para dar o tom correto.
A intensidade da voz, a velocidade da resposta, o timbre, como se fosse uma frase musical. Cada fala soa como uma música. E há muitos ritmos, jeitos nesse gradiente universal. Confesso que tem vezes que meu cérebro anda allegro, prestissimo, mas a ocasião exige que seu andamento esteja largo, adagio… Só que entre essas trocentas combinações, matizes onde nos embrenhamos em ocasiões da vida exigem que saibamos escolher o pincel mais adequado para aplicar as tonalidades que devem expressar o que desejamos comunicar.
Todo esse prelúdio é para dizer que, nos ciclos da vida, precisamos, nem que seja na marra, saber dosar o gradiente das emoções, da racionalidade e das formas de se expressar. E quanto mais próximas às pessoas ou quanto mais elas nos afetam, mais difícil se torna essa missão. Tem gente que parece que está na nossa vida justamente para que saibamos nos exercitar na academia de ginástica comportamental. Temos situações complexas de lidar, que desafiam nossas características genéticas, culturais e de personalidade.
Diante dos tantos desafios desse momento civilizatório, em especial, sobre o como conciliar a vida real, com a das telas, regida por algoritmos, inteligência (ou burrice, limitações) artificial, é fundamental sabermos interpretar, analisar o que está por trás daquilo que aparece na nossa frente. Esses dias ouvi um comentário, que fiquei pensando o quanto estamos escolhendo o preto ou o branco, por preconceito, falta de noção das complexidades.
Esses dias, ouvi essa: uma pessoa disse que não assiste mais à TV Aparecida porque o canal é a favor do Lula. Ora, a outra, que acompanha a programação, logo comentou: mas para mim, nem Lula, nem Bolsonaro servem, mas o canal aborda coisas que me interessam e que estão de acordo com o que acredito. E completou: eles dizem para as pessoas não comprarem armas, por exemplo.
Apesar de tantos avanços tecnológicos, estamos hoje vivendo situações impensáveis, que representam retrocessos na convivência, no respeito. Pessoas que, tinha certeza, teriam bom coração, seriam íntegras, mas são completamente manipuladas por narrativas muito bem pensadas por quem tem interesses nada nobres. Bueno, podes até suspeitar, duvidar do que eu escrevo. E tudo bem. Mas agora te pergunto: se tens um problema de saúde no coração, vais procurar um cardiologista ou num influencer de redes sociais que não tem qualquer formação na área?
As redes sociais, o espraiamento da internet, a hierarquia de importância, de qualidade foi horizontalizada. E quem decide isso é o algoritmo. Ele que decide o que aparece na sua tela. E é crucial saber distinguir quem é quem, os significados do que aparece diante dos nossos olhos. E aí, entra a máxima: enxergamos com os olhos, o coração da nossa experiência. Quanto maior o conhecimento, a vivência com amor e sabedoria, mais facilidade teremos para fazer conexões, possibilidades de leitura entre as tecituras dos distintos tipos de gradientes.
Há melhores condições de saber que focinho de porco não é tomada quem sabe interpretar o que aparece nas suas telas. Quer dizer, que a proposta de uso de saia comprida por atletas brasileiras nas Olimpíadas, expressa uma mensagem. O mundo tem tantas cores, vibrações, será que estamos conseguindo parar pra pensar quais as tonalidades da paleta de cores temos optado em pintar nas telas das nossas vidas?
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA Mais textos de Sílvia Marcuzzo: Clique aqui. Texto originalmente publicado na SLER