Resiliência para Porto Alegre

As mudanças climáticas exigem medidas de adaptação e mitigação

Em 26 de janeiro, choveu forte em Porto Alegre e, como acontece com frequência, alagaram muitas ruas. Dessa vez os estragos foram grandes. Estabelecimentos e até o estacionamento de um shopping ficaram com água acima do joelho. E como também de costume, a diferença do volume de água é acentuado entre um bairro e outro. Onde mais caiu água foi nos bairros Menino Deus, Azenha, Cidade Baixa, zonas de menor altitude.

O professor Francisco Aquino, do Centro Polar e Climático da Ufrgs, explica que em uma hora, entre 17h e 18h, na estação do Instituto Nacional de Meteorologia  no Jardim Botânico superou 40 milímetros (o que equivale a 40 litros para cada metro quadrado). Isso corresponde a pouco menos da metade do volume que geralmente cai em um mês de janeiro, 110 milímetros (para os padrões de 1981-2010). A chuva acumulada em 27 de janeiro já era de 70,7 milímetros no Jardim Botânico, 54 milímetros no Partenon e 40 milímetros no Centro, considerando este evento.

O acumulado do mês de janeiro de 2022 será superior ao índice normal para de Porto Alegre – Jardim Botânico (110 milímetros) devido a pelo menos três eventos de chuva concentrada (mais de 135 milímetros).  Aquino esclarece que o sistema convectivo (aglomerado de Cumulonimbus – nuvens de tempestade) passou por municípios vizinhos, mas cresceu  e caiu em cima de Porto Alegre. O aguaceiro impactou de forma localizada. Isso tudo depois de uma onda de calor histórica, cujos termômetros beiraram os 40 graus.

O que o clima comunica?

Há algum tempo  venho acompanhando o que os cientistas  vêm afirmando com relação ao nosso clima. Inclusive tenho procurando disseminar essas informações entre colegas jornalistas e outros formadores de opinião. Um exemplo, disso foi a promoção do curso O Papel da Jornalista no Contexto da Crise Climática, no qual organizei e facilitei junto como ClimaInfo, Fabico/Centro Climático e Polar da Ufrgs em outubro de 2019.

Água desceu escada abaixo em hospital no Menino Deus. (imagem de video de rede social)

Situações como essa, onde muitas ruas ficaram alagadas, serão cada vez mais frequentes, especialmente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Há muitos tipos de fenômenos climatológicos. Li em um grupo de WhatsApp alguém levantar a hipótese de haver relação dos alagamentos no Menino Deus com o excesso de cimento da orla. Acredito que todos nós precisamos compreender melhor o que está acontecendo. Pois os cientistas já alertaram que a localização de Porto Alegre é muito favorável a eventos extremos. Por essas e por outras que vou aproveitar a deixa para apontar algumas sugestões para os gestores, os legisladores, enfim, para promover uma reflexão. Todo mundo precisa acordar para esse imenso desafio e também pressionar os tomadores de decisão a fazerem ações em escala para nos adaptarmos às mudanças climáticas.

  1. Todos precisamos escutar o que a natureza está gritando: o clima está mudando. Espero que a ida de representantes do governo municipal e estadual pagos com o nosso dinheiro, à Conferência do Clima em Glasgow, não tenha servido apenas como uma viagem de turismo. Então por que os estudos, as adequações para se construir qualquer coisa não consideram os novos dados de índice de precipitação, de intensidade das chuvas? Lembram do janeiro de 2016? Do outubro de 2018? Porto Alegre conta com ferramentas que poucos municípios dispõem para enfrentar esse cenário de alteração climática. Cito a que conheço melhor, pois fui editora e co-organizadora do Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre. Ali os pesquisadores da Ufrgs detalharam para a prefeitura, a pedido da SMAM, em 2008, a radiografia dos solos, da drenagem, da geologia, da vegetação, da ocupação. Ou seja, conhecimento se tem. Sabe-se bem para onde corre a água, onde há rios enterrados, aterramentos e muitas outras coisas. Pergunto: A prefeitura quando dá uma licença ambiental utiliza as informações, os mapas etc do Diagnóstico?
  2. A cidade está cada vez mais impermeabilizada. Em muitos lugares baixos, que já se sabe que pode haver alagamentos, porque a prefeitura não exige que se tenham mais áreas com calçamento permeável? Por que não se tem mais cuidado com a arborização que pode reter a água que cai em situações como essa? Não basta plantar árvores, é preciso cuidar! Que tipo de cuidado hoje a prefeitura adota com relação à arborização? Se as árvores não tiverem uma manutenção adequada ela serão mais fáceis de tombar e provocar estragos. E depois acabam sendo as “culpadas” por futuros problemas. Quantas árvores com erva de passarinho, ou que apresentam outros problemas você se depara na rua?
  3. O que a legislação de política climática prevê para uma cidade com as características ambientais de “Forno Alegre”? Por que ainda não dispomos de leis que estimulem o uso de telhados verdes, de mais jardinagem e menos concretagem?  Recentemente inaugurou uma farmácia numa esquina perto da minha casa. O espaço para o verde é mínimo. Na época do secretário Beto Moesch, ele celebrava ter uma lei da APP urbana, ou seja, todo terreno deveria ter uma porcentagem para o solo respirar.
  4. Se os institutos de meteorologia anunciam que vai haver temporal, por que os órgãos municipais ligados à limpeza urbana já não se organizam para evitar que as bocas de lobo sejam limpas? Aliás, por que não há campanhas permanentes de educação ambiental? E se a prefeitura tentasse um projeto que utilizasse a mão de obra dos catadores e pessoas em situação de rua para colaborar com a limpeza das ruas? Que tal alguma iniciativa que junte a fome com a vontade de comer?
  5. Se já se sabe que vai chover forte e pode faltar luz na casa de bombas do DMAE (aliás, vale lembrar que o DEP, o Departamento de Esgoto Pluvial foi extinto em 2017), por que a prefeitura não toma alguma providência para evitar os estragos por ausência de energia? Ah, e vale lembrar também que só é notícia quando bairros mais centrais ou nobres sofrem com a falta de energia ou água… pois tem sido comum acontecer isso em bairros da periferia.
  6. Precisamos que os gestores e legisladores tenha aulas sobre o funcionamento da natureza. Isso tem tudo a ver com a promoção da qualidade de vida. Numa Capital com tantas universidades, doutores e mestres entendidos nas Ciências da Natureza, é urgente que políticos e tomadores de decisão entendam como se dá o caminho das águas, o porquê de termos praças e parques, a relação entre saúde pública e qualidade ambiental. É necessário ter espaços para a absorção e drenagem da água. E mesmo com todas medidas, ainda podemos ter problemas. Então porque não prevenir em vez de remediar?

Porto Alegre já teve rede de monitoramento da qualidade do ar, já teve zonais da SMAM que cuidavam do verde da cidade, já teve governos mais preocupados com a sustentabilidade a longo prazo, com o bem estar da população. Isso realmente me inquieta, pois a cada dia fico sabendo de pessoas que tem deixado a cidade por vários motivos. Você conhece alguém que tenha ido embora? O que podemos fazer para a Capital ser uma cidade mais humana, com melhor qualidade de vida? Se cada um refletir um pouco, muitas respostas podem vir à tona.

 

 

5 comentários em “Resiliência para Porto Alegre”

  1. Sílvia, infelizmente há tempos temos governantes que veem o meio ambiente como um setor de infraestrutura, ‘destravadores’ de licenças e promotores de construção. A natureza passa longe de sua preocupação. Tudo incentivado pelo ‘destruidor-mor ‘ do Brasil, o psicopata nazista que em breve expulsaremos do Planalto.

  2. Maria Inês Möllmann

    Silvia, talvez quem esteja perdendo, além de nós, cidadãos, se interesse por esta conversa.

  3. Rita Maria Silvia Carnevale

    Silvia, parabéns pela reflexão focada, fundamentada evidenciando fatos e oferecendo sugestões.
    Com tua clara visão e rede de relacionamento sugiro estimular reflexões junto à outros grupos que também são responsáveis pela atual situação.
    Engenheiros , arquitetos e pesquisadores da áreas afins a proematica, para que proponham outros estilos para casas, co domínios e espiões onde as sugestões dadas possam ser executadas pelo executivo.
    A sociedade em geral deve ser esclarecidas e não pressionar o executivo a realizar obras inadequadas e, finalmente o legislativo que aprova leis não condizentes, dificultando a vida de muitos. Creio que uma revisão conjunta executivo, sociedade esclarecida e legislativo poderiam simplificar e adequar a legiacao vigente às atuais tendências.

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