No RS, o Pampa corre risco de extinção e ambientalistas lançam carta para chamar a atenção sobre o bioma
Todo mundo precisa valorizar mais a biodiversidade. Aprender com os indígenas, com as comunidades tradicionais, valorizar a natureza. Para ambientalistas, isso não é novidade. Só que dessa vez, que está chamando a atenção para o assunto é o novo relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES). O organismo é tipo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da biodiversidade. No sábado, 9 de julho, representantes de 139 países divulgaram um documento propondo uma revisão audaciosa na maneira como governos, empresas e organizações encaram a obtenção de lucro e o crescimento econômico.
O Relatório de Avaliação sobre os Diversos Valores e Valoração da Natureza aponta que a forma como a natureza tem sido encarada nas decisões políticas e econômicas é um fator-chave da crise global da biodiversidade, mas também uma oportunidade para enfrentá-la. A conclusão é com base em uma avaliação metodológica de quatro anos feita por 82 cientistas e especialistas de todas as regiões do mundo. Os cientistas comprovaram que o foco dominante no curto prazo, visando lucros e crescimento a qualquer preço, geralmente exclui os múltiplos valores da natureza nas decisões políticas.
O documento diz que os tomadores de decisão têm priorizado as regras do mercado, visando a produção de alimentos, por exemplo, sem considerar como as mudanças na natureza afetam a qualidade de vida das pessoas. Além disso, a formulação de políticas ignora valores não comerciais associados às contribuições da natureza para as pessoas, como regulação climática e identidade cultural.
“Com mais de 50 métodos e abordagens de avaliação, não faltam formas e ferramentas para tornar visíveis os valores da natureza”, disse o professor Unai Pascual (Espanha/Suíça), que copresidiu a avaliação. O levantamento interdisciplinar considera análises de especialistas em ciências sociais, economia e humanidades. A avaliação de valores se baseia em mais de 13 mil referências – incluindo artigos científicos e fontes de informação de conhecimento indígena e local. Também inclui dados da Avaliação Global do IPBES de 2019, que identificou o papel do crescimento econômico como um dos principais impulsionadores da perda da natureza, com um milhão de espécies de plantas e animais agora em risco de extinção.
União pela salvação do Pampa
Talvez os cientistas que fizeram o relatório não saibam, mas o extenso trabalho tem tudo a ver com o que estamos passando no Rio Grande do Sul. O bioma Pampa, o único do Brasil que ocorre apenas no território gaúcho, é o que proporcionalmente mais perdeu vegetação nativa nas últimas três décadas e o que menos valoriza sua biodiversidade. De acordo com dados do MapBiomas, o Pampa perdeu 2,5 milhões de hectares de área verde nativa entre 1985 e 2020, um decréscimo de 21,4%. Também é o bioma que menos dispõe de Unidades de Conservação, áreas protegidas como parques e reservas.
Para chamar a atenção sobre o problema, um conjunto de organizações, pesquisadores e ambientalistas lançaram recentemente a Carta aberta à sociedade gaúcha pela proteção ao Pampa. O bioma corre sérios riscos devido a vários fatores, como a expansão de lavouras em áreas de campo, especialmente de soja, o desmonte de políticas ambientais, o enfraquecimento dos órgãos ambientais de controle e pesquisa (como a extinção da Fundação Zoobotânica, por exemplo), o analfabetismo ambiental de tomadores de decisão e a ausência de vontade política em preservar paisagens para as futuras gerações.
Esse relatório do IPBES lançado pode ser completamente entendido quando observamos os pontos elencados pelas instituições que integram a Coalizão pelo Pampa. Aqui, os pesquisadores, técnicos de várias áreas alertam para o que tem representado as políticas destrutivas e a inações de órgãos públicos ao ambiente natural.
A intenção dos organizadores da Carta é que o documento seja compreendido e debatido pelos candidatos das eleições de 2022. A conservação de áreas naturais está intimamente relacionada a oferta de água, a identidade do povo gaúcho e a preservação da biodiversidade. Está mais do que na hora dos governantes e dos representantes eleitos se darem por conta que vivemos em tempos de crise climática, onde várias pesquisas já apontam que o Rio Grande do Sul é um dos estados mais afetados por eventos extremos. As chuvas já não são as mesmas, as temperaturas também não.
Os poetas e trovadores que enaltecem os pagos precisam empregar seus versos à preservação do Pampa. Há tantos elementos que podem ser utilizados para fazer estrofes e melodias: os campos tem tanto ou mais espécies que as florestas – há muitas fisionomias diferentes, sendo que nem tudo foi estudado – com 380 tipos de plantas e 86 espécies de animais ameaçados de extinção.
Para não ficar só na lembrança é urgente que todos que dizem amar o Rio Grande se unam pela proteção daquilo que é tão vivo no imaginário gaúcho, aquela paisagem ampla, com verde rasteiro a perder de vista.
Clique aqui para ler a Carta à sociedade sobre a necessidade de proteção ao Pampa
Foto de destaque: Adriano Becker – Emas em campo nativo no município de Uruguaiana/RS
Esse artigo foi publicado originalmente no sler.com.br