Algoritmos, ciladas e negacionismo climático

Um contexto que exige muita atenção e discernimento. Ah! E paciência para explicar para as pessoas que não têm a menor noção do que está por trás das telas

“Já não sei o que é mentira, o que é verdade”. Ouvi isso de um amigo que encontrei esses tempos. Ele confessou isso depois de trocarmos algumas impressões sobre o que tem rolado nas redes sociais. Assim como ele, tem gente que desconfia, outros acreditam piamente no que recebem dos seus pares. Vivemos uma era onde somos bombardeados de informações. E se quem tem uma mínima noção de como distinguir entre o que é falso ou verdadeiro precisa estar muito alerta, imagina quem não tem a menor noção do que há por trás da manipulação. Ou melhor, do processo de construção de narrativas, da indústria de notícias falsas que tem provocado danos incalculáveis em vários pontos do planeta.

Clique na imagem para abrir o pdf

Pois, se você também fica com a pulga atrás da orelha dos motivos de se ter pessoas importantes, como um presidente da república, falando asneira, coisas impensáveis poucos anos atrás, não pode deixar de conferir o livro Os engenheiros do caos, de Giuliano Da Empoli, da Editora Vestígio. A obra mostra bem como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições pelo mundo afora.

O autor esmiúça os bastidores de onde surgiram as estratégias utilizadas por Steve Banon, que foi consultor do Trump, amigo da família do presidente do Brasil. O livro merece ser lido por vários motivos, difícil não dar spoiler. Mas vou procurar sintetizar aqui, não só porque estamos a poucos meses de uma eleição decisiva para tentarmos diminuir o passo rumo à barbárie. Também para que você não caia na cilada de fazer o que os manipuladores e donos das redes querem, que é ficar alimentando debates incessantes sobre temas que fazem mal a sua saúde e até do planeta.

O Vale do Silício do populismo, onde começou a valorização do minério chamado algoritmo, não fica nos Estados Unidos. Fica sabe onde? Na Itália! Sim, a terra dos antepassados de tantos brasileiros, inclusive os meus, do Mussolini, de Matera, de Pompeia, de Roma, território de tanta, tanta história. Sempre me intrigou porque é comum se deparar com descendentes de italianos com traços fascistas. Sei lá, às vezes, acho que o sentimento de ter passado muito trabalho, os imigrantes transmitiram para as outras gerações que são merecedores de mais respeito que outros… só penso.

“É que lá (na Itália), pela primeira vez, o poder foi conquistado por uma forma nova de tecnopopulismo pós-ideológico, fundado não em ideias, mas em algoritmos disponibilizados pelos engenheiros do caos. Não se trata, como em outros países, de homens políticos que empregam técnicos, mas de técnicos que tomam diretamente as rédeas do movimento, fundam partidos e escolhem os candidatos mais aptos a encarar sua visão, até assumir o controle do governo de toda a nação”.

Resumindo:  as táticas empregadas se baseiam no que as pessoas querem se deparar ou no que elas acreditam. Mesmo que sejam completamente contraditórias com o discurso do político. Pior: os caras que estão por trás disso são criaturas que fazem parte de grupos que são atacados por ultradireitistas. O negócio é focar em um inimigo. Mesmo que esse inimigo não exista de fato, ele é fabricado e passa a ser “real”, na cabeça dos mentores. Aqui sabemos bem quem são os inimigos: o comunismo, o PT, aqueles que eles julgam que são contra a família. Em países da Europa e Estados Unidos, os imigrantes foram o alvo.

Para compreender ainda mais a gravidade do contexto, “um recente estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) demonstrou que uma falsa informação tem, em média, 70% a mais probabilidade de ser compartilhada na internet, pois ela é, geralmente, mais original que uma notícia verdadeira. Segundo os pesquisadores, nas redes sociais a verdade consome seis vezes mais tempo que uma fake news para atingir 1.500 pessoas”.

Enquanto se fica repercutindo as declarações esdrúxulas, milhares de textos que distorcem a realidade são despejados àqueles que se alimentam das redes dos manipuladores. Isso é uma ameaça real à construção árdua pela democracia, pela civilidade e um mega desafio para quem trabalha com Ciência com letra maiúscula.

A multiplicidade de vozes do Brasil

Aqui no Brasil, há varias iniciativas para se tentar preservar a democracia diante de tantos ataques. Uma delas é o Intervozes, um coletivo composto por ativistas e profissionais com formação e atuação nas áreas de comunicação social, direito, arquitetura, artes e outras, distribuídos em 15 estados e no Distrito Federal, que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil. O Intervozes defende a pluralidade de vozes, opiniões e culturas para o pleno exercício da cidadania.

O Intervozes vem denunciando outro lado perverso desse emaranhado de manipulações na internet.  Há tempo, o grupo vem denunciando o comportamento do Google, principal empresa do grupo Alphabet Inc, no Brasil.

Em junho de 2022, o Google implementou relatórios de transparência de publicidade política no Brasil. Isso depois de quatro anos de atraso em relação a 34 países, todos do norte global. Por aqui o super buscador, que todo mundo usa, decidiu implementar relatórios incompletos, parciais e piores que os disponíveis aos países do hemisfério norte, tratando os brasileiros como consumidores diferentes de outros países.

Para o Intervozes, a falta de compromisso da big tech pode prejudicar o combate à desinformação e contribuir ainda mais para a deterioração do cenário democrático durante as eleições. Por conta disso, o Intervozes e o Sleeping Giants promoveram uma campanha para que o público pressionasse a BlackRock, maior gestora de investimento do mundo e segunda maior acionista do Google, mudasse sua postura.  Para a organização, as atividades do Google estão em desacordo com a ordem legal e constitucional do País, além de entrar em conflito com princípios internacionais expressos no Pacto Global das Nações Unidas e com os Princípios Orientadores da ONU para Negócios e Direitos Humanos.

“Vamos exigir mais transparência das plataformas e garantir um ambiente democrático nessas eleições. Marque a @blackrock , comente BLACKROCK DO SOMETHING e apoie a nossa campanha!”. Eis o texto da campanha nas redes sociais.

A jornalista Viviane da Rosa Tavares, que integra a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, do qual sou uma das articuladoras, conta que a campanha teve uma repercussão importante. Segundo Viviane, atual secretária executiva do Intervozes e coordenadora do projeto Combate à Desinformação e Discurso de Ódio na Amazônia, algumas empresas do grupo abriram um diálogo, mas tudo ainda incipiente.

Só para terem uma ideia, uma pesquisa do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que estuda as bibliotecas de anúncio no Google, extraiu uma Nota Fiscal com um número de uma padaria, de um estabelecimento que não tem nada a ver com os anúncios que foram postados. Viviane explica que há casos com dados inconsistentes, que não fecham com os números de CNPJ apresentados.  Ou seja, tudo indica que são utilizados “laranjas” para divulgar anúncios de desinformação.

Outra situação que exemplifica a gravidade do contexto, conforme a especialista em Gestão Estratégica da Comunicação e mestranda em Tecnologias de Comunicação e Cultura (UERJ), é que o Brasil Paralelo desembolsou dois milhões de reais em anúncios com parte do conteúdo atacando as urnas eletrônicas e a imprensa.

Desinformação e negacionismo climático

Conheci a Viviane no evento virtual Perspectivas da COP 2021, realizado na disciplina Estudos de Mídia e Jornalismo do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Foi um seminário do grupo de pesquisa Mídia, Conhecimento e Meio Ambiente: Olhares da Amazônia, do projeto de pesquisa Negacionismo de Danos Ambientais e Mudanças Climáticas no Cinema e no Jornalismo, da disciplina Estudos de Mídia e Jornalismo (2022-2026). O professor Simão Farias, que está à frente da iniciativa, explica que hoje a crise climática se agrava ainda mais com o negacionismo por parte de setores importantes, como o próprio governo.

“A sociedade da informação se depara com uma crise de representação na qual a falta, o excesso, a fabricação e a especulação geram problemas de desinformação, fake e negacionismo”. O professor convidou o Intervozes para o encontro a fim de identificar e comparar essas problemáticas responsáveis por provocar desconfianças e atacar a democracia.

Não é à toa que a situação da Amazônia mexe com tanta gente. A maior floresta tropical do mundo interfere no clima de todo planeta. E há muita desinformação sobre isso. Vale muito ouvir a série de podcasts Tempo Quente, capitaneada pela jornalista Giovana Giradi, que explica bem o “resumo da ópera’ de estarmos imersos na crise climática. Está no Spotfy. São sete episódios onde ela entrevistou vários atores de lados diferentes das entranhas do negacionismo climático.

O Intervozes vai apresentar no dia 30 de julho partes de sua pesquisa sobre desinformação na Amazônia no Fórum Social Pan Amazônico, que vai acontecer em Belém. Por tudo isso e muito mais: pense, repense e consulte fontes confiáveis sobre o que você vê por aí.

 

Esse artigo foi publicado originalmente no sler.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima