Tempos de mudanças climáticas…

Precisamos relacionar eventos extremos à crise climática, cientistas alertam faz tempo, mas isso ainda não foi capaz de sensibilizar todos que deveriam

A crise climática bate, apita a campainha, escancara a nossa porta. Há muita gente que está estudando, pesquisando e constatando que o clima está em profunda transformação, especialmente nas últimas décadas. Nessa semana de 15 a 19 de agosto, mais uma vez a Região Metropolitana de Porto Alegre foi impactada por um evento extremo. Destruição, muitos estragos em Canoas, Cachoeirinha e até uma morte em Porto Alegre.

Só que é muito estranho a cidade ter tantas autoridades nesse assunto, Porto Alegre tem uma pá de gente que pesquisa o tema, e os meios de comunicação daqui não relacionarem os eventos extremos ao que os cientistas há anos vêm adiantando. Fica na capital dos gaúchos o Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Aqui são formados climatologistas, geógrafos, gente que atua em várias partes do mundo e que tem constatado vários aspectos do aumento da temperatura do planeta. Vale lembrar também que climatologia é diferente de meteorologia.

Os problemas ocasionados pelas fortes chuvas, por ciclones bomba etc, raramente, para não dizer quase nunca, são relacionados nos veículos de comunicação do Rio Grande do Sul como uma ligação do fato ao contexto de mudanças climáticas. Os problemas decorrentes das enxurradas, alagamentos e por estiagens prolongadas afetam a vida de todos, desde o aumento do preço de alimentos até a falta de energia elétrica.

Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental, nascido também em Porto Alegre, vem alertando há tempo o quanto os meios de comunicação vem negligenciando informações sobre esse aspecto. A professora Ilza Girardi, a precursora no Brasil da cadeira de jornalismo ambiental, salienta que esse problema vem sendo detectado por pesquisadores. “A crise climática também agravará o surgimento de epidemias e pandemias, temos artigos desde 2012 falando sobre isso, sobre a destruição de ecossistemas”.

Para a professora e pesquisadora sobre jornalismo e clima Cláudia Moraes, da Universidade Federal de Santa Maria, a mídia, em especial o jornalismo, precisa demonstrar maior preocupação em associar os alertas da ciência em relação à emergência climática que já se instaurou. “Nas pesquisas sobre esse tema, temos visto que está crescendo o alerta no jornalismo, especialmente quanto a perdas e danos, ao drama das populações atingidas. No entanto, ainda carecem de trazer essa preocupação para o debate público de longo prazo, por exemplo, tratando do quanto há falta de políticas públicas para a ação climática. Num ano eleitoral, por exemplo, de que forma isso vem à tona?, indaga a professora.

Então pergunto: como um assunto tão significativo, que afeta a vida de todos os seres vivos, não é encarado como pauta, como prioridade pelos tomadores de decisão, como editores de jornais, formadores de opinião, ou então políticos, como vereadores e prefeitos?

Compromissos para ação climática

O Observatório do Clima, que é uma rede de organizações da sociedade civil formada com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no contexto brasileiro lançou na Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC), um movimento coordenado e liderado pelo Instituto Ethos, com a participação de vários segmentos da sociedade, uma Carta com os 15 Compromisso e as Diretrizes para a Ação e Ambição Climática direcionada a candidatos às vagas do pleito deste ano.

O documento é resultado de uma construção conjunta de 27 entidades em busca do comprometimento de seus signatários para colocar em prática ações e políticas da agenda do clima. Os 15 compromissos tratam de uma agenda climática transversal e abordam, entre outros tópicos, a retomada e revisão de planos climáticos e ambientais existentes; retomada e ampliação de espaços de participação social; implantação de acordos já firmados, o aumento constante de ambição climática e alinhamento com o 1,5ºC; desmatamento zero; e empregos e empregabilidade aos setores desestimulados pela mudança do clima.

Clima e Gênero

No evento realizado em Recife, no dia 9 de agosto, o Observatório também lançou a publicação “Quem precisa de justiça climática no Brasil?” O título foi o ponto de partida para um trabalho a várias mãos, ao longo de um ano e meio, que traz conceitos, retrospectiva de eventos climáticos extremos no país e, em destaque, 16 entrevistas com lideranças indígenas, quilombolas de comunidades pesqueiras, periféricas e rurais, além de especialistas que lidam com o tema. Estudos vem mostrando que as mulheres, crianças e idosos são as pessoas que mais sofrem com os efeitos da crise climática.

O livro dá voz a quem sente na ponta o problema em vários cantos do Brasil Foto: Reprodução

O livro, que pode ser baixado AQUI dá voz a quem sente na ponta o problema em vários cantos do Brasil. Um país de dimensões continentais como o nosso, tem diversas realidades, disputa de territórios, contextos urbanos em morros e várzeas onde se cruzam histórias de milhões de pessoas.

Muito bem ilustrado e diagramado, o livro apresenta a fala de pessoas de periferias urbanas de Pernambuco e do Distrito Federal, em aldeias de Rondônia ou Santa Catarina, coletoras de castanhas no Amazonas e em Mato Grosso ou quilombolas da Bahia e de Goiás. O alerta — que surge para além dos espaços acadêmicos ou institucionais — é de como fatores ambientais e climáticos reforçam desigualdades já existentes e exacerbam a marginalização dessas e outras comunidades.

A crise climática pode derrubar a nossa porta em qualquer estação. Fica aí uma sugestão: pergunte para o seu candidato, sua candidata (puxa, como há poucas…) o que ele/ela pretende fazer para se adaptar a esses tempos e também para mitigar os estragos ocasionados pela loucura do clima. Talvez seus netos também lhe perguntem daqui uns anos: se vocês sabiam, por que não fizeram nada?

 

Esse artigo foi publicado originalmente no sler.com.br

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