75 anos com a benção da Mãe Jurema

O que faz com que um grupo de pessoas ocupadas se una para celebrar a vida de alguém

Domingo passado, dia 21 de maio, foi coroado com momentos nada comuns. Foram instantes que simbolizam o topo de um iceberg. Assim como acontecimentos sociais que culminam em decorrência de uma série de fatores, esse evento também foi resultado da configuração de muitas energias. A começar que não foi só a junção de pessoas que não se viam há tempo. Foram semanas de preparativos para escolha do local, negociação para o preço do buffet ser acessível, compra de presente e muitos outros detalhes que tornaram a festa inesquecível.
Reconhecimento, amizade, gratidão, valorização do ser humano, muitas definições estão na base desse bloco que sintetizou a organização e a realização de uma festa de aniversário de 75 anos da jornalista Jurema Josefa. O ambiente foi pra lá de comovente porque colegas do jornal Correio do Povo, onde trabalhei de 1993 até o meio de 1995, foram convidando as pessoas que trabalharam com a Jurema. E à medida que o grupo de zap crescia, novas ideias surgiam para que a comemoração agradasse a aniversariante.

Eu não era da mesma editoria da Jurema. Convivemos relativamente pouco. A energia dessa mulher forte, aguerrida era contagiante. Naquele tempo analógico – usávamos o DOS, não existia celular e o lugar de repórter era na rua – Jurema esbanjava desenvoltura em vários sentidos. Ela era amiga e fiel escudeira especialmente dos repórteres, o elo mais frágil de uma redação.

Afinal, o que pode ter movido tanta gente a querer colaborar com a festa, a assinar o cartão, mesmo sem ter ido? O que faz com que tanta gente tenha se mobilizado para criar esse encontro tão especial?
O Correio do Povo, o que era e o que é
Essas perguntas têm várias respostas. Vou arriscar escrever algumas. Jurema é uma das “dinossauras” do jornalismo gaúcho. Ela trabalhou no Diário de Notícias, na Folha da Tarde, no antigo Correião (do tempo do standard) e depois voltou para a Caldas Júnior quando o grupo estava nas mãos da família Ribeiro. Eu peguei uma transição marcante do jornal, com o Claudio Thomas, que depois fez carreira no grupo RBS e a chegada do Luiz Figueredo na chefia de reportagem. Cheguei foca, mas depois de ter estagiado um bom tempo na rádio FM Cultura e TVE (outros locais inesquecíveis, do tempo da máquina de escrever e da fumaceira na redação, que um dia terei que escrever, antes que a memória evapore).

Naquele tempo, as trocas e os contatos na redação eram fundamentais para o sucesso de cada edição. O clima de trabalho era algo inebriante.  Todos davam o seu melhor, a sua atenção para que o jornal fosse o melhor possível, dentro da sua proposta. Mas isso só era possível porque existia amizade entre as pessoas. A Jurema, por exemplo, chegou a fazer cópia da sua agenda de telefones para dar para colegas. Nos últimos meses, antes de sair, acabei como uma “setorista” de meio ambiente. Não recebia pautas, descobria notícias todos os dias. Esse assunto era valorizado pelo editor Luiz Armin Schuch, que infelizmente nos deixou o ano passado.

No domingo, também deu para sentir o impacto de ser jornalista da escrita. O esforço de estar atento longas horas em frente a uma tela. Muitos colegas com LER (lesões por esforço repetitivo), problemas de coluna e também sobrevivendo do jeito que é possível. Grande parte dos presentes acabou migrando para outras áreas, mas ainda há colegas que continuam na labuta.

Hoje o Correio é muito diferente da década de 90, quando eu trabalhei. O atual dono, o grupo Record, do bispo Edir Macedo, é quem dá as cartas hoje no conglomerado. E o espaço do veículo é muito menor ou inexistente para pautas mais ousadas, digo, investigativas. Sem falar da linha editorial do grupo…Eu acredito que o jornal ainda existe porque há colegas que amam a história desse veículo lendário. Não deixaram a chama do jornalismo apagar.

Festa com a benção de Jurema
Dei uma pincelada no que foi o CP, porque gente de fora do RS me lê e talvez não tenha conhecimento da trajetória desse centenário. A proposta aqui é evidenciar o que faz com que um grupo de pessoas ocupadas se una para fazer tanta coisa para celebrar a vida da Jurema. Ela se aposentou da redação, mas não de continuar agitando e fazendo acontecer. Jurema é assessora de imprensa do vereador Pedro Ruas, primeira vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa (Ari) e também observadora de aves.

Para terem uma noção, a festa não teve apenas bolo com velhinha. Cada um dos participantes segurou uma vela e a aniversariante apagou várias! Claro que não foram todas as 75 chamas… O presente foi uma gravura da consagrada artista Zoravia Betiol, que fez um precinho camarada de uma das suas obras. Eu me prontifiquei a providenciar um cartão. Ia comprar um. Mas daí fiquei pensando… É tanta gente que vai faltar espaço em um cartão comum para o pessoal assinar. Então resolvi confeccionar eu mesma algo personalizado, que fizesse alusão ao significado do seu nome.
Pesquisei o significado da palavra Jurema, o que me levou à ancestralidade de etnias indígenas e tantos outros saberes ligados à religiosidade dos povos originários. Jurema é também uma árvore nativa do Nordeste. Perguntei no grupo do zap que características marcam a aniversariante. Surgiram várias palavras. Escolhi algumas para estarem na base, nas raízes de uma árvore. No topo da copa, escrevi: Quem planta sementes não se ausenta.

Cartão de Aniversário / Acervo da Autora

As gurias que estavam na organização ainda providenciaram balões, um 75 dourado para colocar na parede. A atmosfera do Chalé da Praça XV era pura euforia, de tantos reencontros. Mais de 60 pessoas marcaram presença. Com toda a movimentação, todos gritando Jurema, Jurema, e aquele cheiro de velas redeu um fato inusitado. Dois clientes do restaurante, um dos pontos turísticos da capital, perguntaram para o dono do estabelecimento, quem era essa Jurema, se ela era mãe de santo, alguma cabocla que poderia dar uma benção aos viajantes.

Eis que o sujeito afirmou que sim. E avisou a Jurema. E não é que ela benzeu dois caras de fora, um de Curitiba e outro de Pomerode? Essa é a Jurema, sempre nos surpreendendo com seu humor impagável.

Jurema e Sílvia / Acervo da Autora

Foto da Capa: Reprodução do Facebook

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