Qual é o rastro que a minha certeza deixa?

Há estratégias de sobrevivência e de como manter a saúde mental frente ao contexto eleitoral e tudo passa por estarmos abertos ao aprendizado

Creio que muita gente está se perguntando como chegamos a essa situação das pessoas sentirem tanto ódio umas das outras por pensarem diferente. Há várias explicações para isso. E eu também estou tentando entender onde as pessoas que procuram ter bom senso se colocam nesse momento histórico.

O lado racional, mais civilizado, foi invadido por sentimentos de todos os matizes. O cenário fica embaçado para quem quer enxergar os detalhes com nitidez. E aí, no meio desse turbilhão de ataques, as hipóteses ficam prejudicadas. E eu arrisco em escrever porque além de estarmos em um momento de transição civilizatória – com a Ciência derrubando crenças; com o avanço da tecnologia que mapeia tudo; e o agravamento dos problemas socioambientais que culminam com a crise climática – há uma resistência em nos jogarmos nas situações que exigem mudança de mindset. Novas formas de aprender por todo lado. E para aprender é preciso estar aberto. E essas inúmeras possibilidades de fazer diferente ou de se colocar em posições mais empáticas com relação aos outros, ao meio ambiente, exige uma elasticidade, uma musculatura emocional madura.

É mais fácil se agarrar a certezas cristalizadas do que tentar entender o contexto no longo prazo. E isso pega todos os lados, especialmente aqueles que tem convicção do que acreditam. O apego a ideias que nós concordamos (ou conseguimos entender) nos deixam cegos diante de outras possibilidades. E o pior: aqueles que querem o poder a qualquer custo, sem o mínimo pudor ou ética, sabem disso e se utilizam de várias táticas e armadilhas onde caímos como patinhos.

Somos todos manipulados, muito mais agora, na era dos algoritmos. Daí a necessidade de conversarmos e convivermos com gente fora das nossas bolhas. Eu me esforço para tentar entender o significado das palavras proferidas. E, graças ao estudo, à leitura, ao legado traçado pelos meus pais (que foram absolutamente disruptivos para a época deles) eu realmente não consigo aceitar que, em pleno século XXI, tenha gente defendendo o fascismo, ideias construídas para aprisionar as pessoas ao que há de mais absurdo à evolução da humanidade. E o pior: com repetições de invenções, como a ameaça do comunismo e a ideologia de gênero. Eles reforçam palavras, expressões que grudam, fixam no cérebro. Tudo a serviço do que querem construir ou destruir.

Só de tentar entender todas as artimanhas que estão por trás das jogadas, já me dá uma baita canseira. Posso parar por alguns momentos. Mas sigo depois de descansar um pouco. É uma obrigação moral com as futuras gerações tentarmos fazer alguma coisa. Pois se nos séculos passados foram travadas guerras que geraram grandes impactos em continentes, hoje sabemos que os estragos não são só em uma determinada região. Os danos são planetários! O que está em curso no Brasil com o aval dos detentores do poder está já prejudicando o planeta inteiro! Isso não é uma opinião. Isso é o que a Ciência está alertando e há tempo!

Quem não acompanha o que sai em várias fontes, acredita na narrativa que sua capacidade cognitiva e emocional consegue alcançar. E como várias faixas etárias de adultos viveram sob o domínio de pais nada democráticos ou de dogmas de uma igreja que não aceitava ser questionada, entendem que as coisas precisam ter um pulso firme, de alguém que determine tudo como tem que ser.

Este texto pode ser considerado um desabafo. Estou cercada por pessoas que acreditam em fake news, que passam boa parte do dia assistindo programas que incitam o ódio. E, no mínimo esforço feito para mostrar outros lados, já atira: “então tu defendes ladrão”?

Estudei Magistério, em uma escola pública em Cachoeira do Sul, interior do Rio Grande do Sul, onde o atual presidente ganhou as eleições. Lá aprendi o que é o sofismo. O poder de se usar estratégias para se convencer o outro do quanto se está certo, com argumentos infundados. E é nítido o uso de estratégias sofistas e de todo tipo de tática para controlar as mentes, até de pessoas que penso ter algum tipo de inteligência. Tudo temperado com emoção, caras e bocas e muita sedução. A propósito, a serviço do que está a repetição constante de palavras que as pessoas compreendem facilmente?

Por todo esse pavor que estamos vivendo, que não vai sumir num passe de mágica, independente do resultado das eleições, convido você leitor, a pensar estratégias de sobrevivência para tentarmos manter a saúde mental. A primeira delas é saber que precisamos nos nutrir com coisas boas, que nos façam bem, como meditar, caminhar, cultivar plantas, rezar, fazer manualidades. Evitar ao máximo redes sociais tóxicas. Respirar, contar até 20. Integrar comunidades de aprendizagem autodirigida. Visitar exposições de arte. Ouvir uma boa música. Procurar ouvir, com empatia, que a pessoa que fala e escreve asneiras, não tem noção do que está fazendo.

Mas nem por isso, deixar de denunciar no Facebook, no Instagram, seja lá aonde for, a desinformação, o discurso de ódio. Mande mensagens para os veículos de comunicação que publicam absurdos. Se você viu ou recebeu algum conteúdo suspeito sobre o processo eleitoral, viu alguma uma postagem com informações falsas sobre as urnas eletrônicas ou recebeu alguma mensagem suspeita de disparo em massa, acione a Justiça Eleitoral. Clique aqui para acessar o sistema de alerta do TSE. E se vir alguém ameaçar funcionários para não votar em determinado candidato, avise o Ministério Público do Trabalho, clique aqui. Uma lástima ver veículos como o Correio do Povo, onde comecei minha carreira de jornalista, terem se transformado em um megafone do atraso à civilidade.

O professor Celso Henz, do Centro de Educação Universidade Federal de Santa Maria (USFM), que atua na linha de Pesquisa Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional, explica que tudo o que é humano é aprendido “sócio-histórico-cultural-politicamente”. Para ele, algumas pessoas solidificam seus saberes sem nunca fazer uma reflexão sobre as suas origens e razões de ser, adaptam-se ao instituído e se fecham a outras possibilidades de ser e ver a realidade que as condiciona e aliena. Aliás, consideram que suas “verdades” são únicas e superiores. Essa postura de “ser para os outros” as ilude como uma situação cômoda, gerando a indiferença para com a possibilidade de aprender algo que as desafie à desconstrução e à libertação dos seus referenciais, chamando para a autoria e responsabilidade no “dizerem a sua palavra”, lembrando Paulo Freire.

Henz entende que nem passa pela cabeça dessas pessoas participar da construção de uma história e uma sociedade com condições de uma vida digna e uma cidadania autêntica, uma sociedade democrática e participativa em todos os sentidos e aspectos. Então, como lidar com quem não quer escutar, dialogar e aprender?  “É bem complexo, e não se consegue de um dia para outro. Implica entrar no universo dessas pessoas e partir das suas crenças e ir problematizando até se darem conta das suas contradições, algo que Sócrates já fazia na Antiguidade”.

Henz, que já foi padre católico, acredita que o diálogo amoroso e crítico é sempre o melhor caminho, embora reconheça que com determinados grupos (sectários) seja muito difícil construir uma perspectiva, uma proposta dialogal para se darem conta das suas contradições e aceitarem olhar e aprender outras possibilidades para suas vidas e para a sociedade.

“Sugiro perguntar e perguntar, até que se incomodem e respondam. A partir da resposta, formular outra pergunta. E num dado momento, ajudar a construir uma resposta mais coerente, o que pode gerar processos de conscientização, desconstrução e reconstrução de conhecimentos e de si mesmas/os. Mas não é fácil, porque a condição primeira é que as pessoas aceitem dialogar e aprender, o que no Brasil dos últimos anos tem sido muito difícil. No lugar do diálogo se instauraram violências e falácias para dominar ainda mais a quem é explorado”.

O professor cita o que o antropólogo e educador Darcy Ribeiro afirmava: “O fracasso educacional no Brasil não é algo que falhou, é um projeto das elites dominantes. Ainda assim, com Freire, acredito que, se a educação não pode tudo, pela educação se pode mudar as pessoas. Essas pessoas, auto(trans)formadas pelo diálogo crítico-reflexivo, vão mudar a sociedade, com opções e ações mais humanizadoras, emancipatórias e democráticas”.

Termino com algumas frases de tive contato no Festival Teal, que inclusive escrevi sobre ele na coluna da semana passada, confira: “Aprender é a habilidade que destrava todas as outras”, do Ces Michelin. E mesmo que haja tantos vivendo à margem da transição, da evolução planetária, “a ação consciente é a forma mais efetiva e afetiva de você deixar o seu legado no mundo”, do Alexandre Pelaes (aliás, vale muito segui-lo no Instagram @pellaes.

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