A COP foi no Egito, mas e o que acontece aqui?

Há iniciativas que merecem ser reconhecidas no enfrentamento às mudanças climáticas

A realização da Conferência do Clima (COP27), como é chamada a Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties), instância suprema da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, provoca opiniões diversas. Se para uns, é mais um encontro onde as pessoas viajam para fazer turismo, para outros, é uma forma de reunir gente de vários cantos do mundo para se debater o futuro da humanidade. A edição deste ano, no Egito, no balneário Sharm El-Sheikh teve um pavilhão do governo brasileiro, mesmo com o presidente da nação não valorizando o evento. Vale lembrar também que uma COP estava prevista para acontecer no Brasil, mas o atual governo não quis que a conferência fosse em terras brasileiras.

Nem vou me deter no que a imprensa convencional já divulgou. Se você não sabe, o vencedor do último pleito foi uma das maiores atrações do evento. Com Lula na presidência, o Brasil voltará para o cenário das negociações, possivelmente como protagonista. Porém, o que de prático tem sido feito para amenizar as mudanças climáticas, já que o governo federal e seus aliados negam a sua existência?

Racionalmente é inconcebível que até hoje os tomadores de decisão não tenham realmente arregaçado as mangas para amenizar os impactos da crise climática.  Pois é muito mais barato prevenir do que remediar. No entanto, quase sempre o dinheiro e o curto prazo falam mais alto. Está cada vez mais frequente a ocorrência de eventos extremos no Brasil e há muitos países que correm o risco de sumir do mapa. Já está comprovado que entre os Estados que mais irão sofrer com a crise climática estão Rio Grande do Sul e Santa Catarina, devido a sua localização geográfica e ao encontro de massas de ar, além de outros fatores.

O desafio é grande. Muito grande, gigante. É uma crise ética, moral, antes de qualquer coisa. Pois muitos países pobres, que não contribuíram para agravar o contexto, é que estão pagando o preço pelas emissões que os ricos do Norte Global lançaram na atmosfera. E o nosso país é o quinto que mais produz CO2 devido às queimadas. Aliás, a criação de um fundo para Perdas e Danos foi a melhor notícia desta COP, a edição que demorou mais tempo de negociações. Só que os detalhes, quem vai bancar, quem vai receber etc, nada disso ficou definido.

Além de sentirmos na pele (literalmente) que o clima não é mais aquele, com as quatro estações definidas (pelo menos para quem mora no Sul), milhares de cientistas, de várias áreas e localidades do planeta estão alertando há tempo que o clima do planeta está mudando. Saiba mais sobre o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC, sigla em inglês) aqui. A maior parte dos Países assinou o Acordo de Paris, em 2015, que tem como principal objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) para limitar o aumento médio de temperatura global a 2ºC, quando comparado a níveis pré-industriais.

O grande problema é que para diminuir as emissões é preciso alterar a cultura de vários países (inclusive a nossa) que têm suas economias baseadas em um crescimento completamente insustentável (geração de energia com combustíveis fósseis, produção de substâncias, embalagens que não podem ser recicladas, cultura do consumo e da aparência etc). É urgente reduzir consumo especialmente de coisas cujo processo de fabricação emitam GEEs ou não possam voltar para o ciclo de produção (tecidos, por exemplo, na maior parte não dá pra reciclar). Só que até o momento, a esperada redução é voluntária. O planeta não suporta que todos os seus moradores tenham um estilo de vida de um norte-americano. E a cada ano, o dia de sobrecarga do planeta tem sido mais cedo. Este ano foi 28 de julho. Clique aqui para saber mais. Apesar do debate estar rolando desde a Rio92, na prática, a situação geral piorou de lá para cá.

Para quem sabe o que isso significa, esse contexto gera muito desconforto. Foi cunhado o termo ansiedade climática. E há jovens, especialmente do hemisfério norte, que vem fazendo vários tipos de protesto para chamar a atenção dos tomadores de decisão, em sua maioria homens brancos, acima de 60 anos.

As novas e futuras gerações pagarão pelas decisões dos que consideram o dinheiro acima de tudo. Estamos exatamente no ponto de decidir que futuro deixaremos para os que virão.

Como já venho escrevendo por aqui – vale conferir o artigo -, de nada adianta nós nos desesperarmos nesse mar agitado com tantas crises globais emergindo. Então, vou pontuar algumas iniciativas que valem a pena serem reconhecidas.

 Luz no fim do túnel

Na quarta, dia 24 de novembro, à noite, assisti ao congresso e premiação do Escolas pelo Clima onde foram apresentados 35 cases divididos nas categorias: educação infantil, ensino fundamental 1 e 2, ensino médio e superior. Cerca de 80 projetos foram inscritos. A apresentação dos cases foi realizada em sete salas e cerca de 200 pessoas acompanharam a transmissão pelo zoom. Vários alunos apresentaram os projetos e foi lindo de ver o engajamento de estudantes e professores.

O evento, que está na segunda edição, é realizado pelo Movimento Escolas pelo Clima. A iniciativa conta hoje com 537 instituições cadastradas em vários estados brasileiros e em Portugal. A maioria das escolas é do Paraná e de São Paulo. Do Rio Grande do Sul, localizei algumas de Porto Alegre: a Escola Projeto, o Colégio São Judas Tadeu, Despertar Educação Infantil, Escola de Educação Infantil Criança Vida; e uma do interior, o Instituto Federal Farroupilha (IFFAR), de Frederico Westfalen. Mas a cada ano, aumenta o número de organizações. Uma baita oportunidade, tanto para escolas, quanto para professores e comunidade compreenderem melhor o tema, pois as mudanças climáticas têm relação com quase tudo: da água que bebemos, ao ar que respiramos e, principalmente, com as escolhas que fazemos (desde os produtos até quem elegemos).

O movimento dispõe de uma comunidade que conecta educadores e onde são disponibilizados conteúdos de educação climática com trocas entre os participantes. Este foi o segundo congresso onde as escolas comprometidas com o tema puderam divulgar suas atividades. Para fazer parte da rede de transformação, a escola deve tornar-se signatária do movimento sem qualquer custo.

Três alunos do São Judas Tadeu apresentaram parte das ações que a escola vem desenvolvendo. Desde 2014, acontece o Projeto São Judas Sustentável, coordenado pela professora Cláudia Padão Rovani, onde a cultura da sustentabilidade é promovida através da educação formal – aulas semanais para pequenos da educação infantil e alunos do 1º ao 5º ano – e não formal, por meio do Núcleo de Sustentabilidade, que implementa ações para toda a comunidade escolar. A professora informa que são realizadas parcerias com recicladoras e também o “Fórum de Sustentabilidade São Judas Tadeu,” um evento anual que traz debates, palestras, mesas redondas e diferentes atividades para todos os segmentos da instituição.

Para Cláudia, uma das maiores satisfações é constatar que alunos saem da escola engajados às causas coletivas. “O Bruno Zanette, que hoje está cursando física na UFRGS, durante o Ensino Médio participou como membro do Núcleo de Sustentabilidade. Ele é um dos ativistas do Movimento Eco pelo Clima,” festeja a professora.

Por aqui, há muito a ser feito para se adaptar e mitigar as mudanças climáticas. O Rio Grande do Sul já se destacou bem mais com inovações na área ambiental. Ultimamente os governos do Estado e de Porto Alegre tem deixado muito a desejar com relação a avanços em direção da qualidade de vida, à promoção da biodiversidade etc.

Mas há outros segmentos que têm promovido exemplos promissores, como o caso da Mercur que alterou seu portifólio para ser uma indústria com foco em produtos para o bem-estar dos seus consumidores. Desde 2009, a Mercur realiza seu inventário de GEE, a fim de reduzir as emissões e compensar o que não pode ser evitado. A partir de várias ações em andamento, passou a ser reconhecida, desde 2015, como uma empresa carbono neutro. Como a maior parte das emissões são oriundas do transporte, tanto de distribuição de produto pronto, quanto de entrada de matéria-prima, 100% das transportadoras que atendem a Mercur compensam as emissões geradas pelo transporte de seus produtos.

A Mercur ainda utiliza modais alternativos de transporte, como a cabotagem, sempre que possível, tanto para distribuição quanto para entrada de matéria-prima. Dessa forma, reduz, em média, 58% na emissão do transporte dos produtos. Um exemplo disso é a distribuição para Manaus, onde 100% é via cabotagem (além do trecho rodoviário e fluvial). Para a neutralização da emissão do carbono a empresa faz o plantio de árvores nativas, a fim de compensar o que não pode ser reduzido. Para cada tCO2e (tonelada de CO2 equivalente), são plantadas 6,3 árvores. A Mercur é vanguarda em vários quesitos, esse é só um dos aspectos positivos da marca de Santa Cruz do Sul.

Outra iniciativa interessante envolve o Ministério Público do Rio Grande do Sul. O coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente Daniel Martini esteve na COP27 representando o MP brasileiro para falar sobre as ações que estão em andamento. Segundo Martini, o RS encampou o projeto nacional da Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente) sobre litigância climática. E uma das ações foi sugerir aos promotores que solicitem aos órgãos ambientais a inclusão da variável climática nos processos de licenciamento ambiental. A ideia é de que quando for feito um licenciamento de atividades impactantes, que precisem de Estudo de Impacto Ambiental, os órgãos ambientais (municipais e estadual) considerem aspectos de mitigação climática e de compensação de emissões no próprio licenciamento.

Entendo que todos os setores da sociedade, governos, legisladores, operadores de direito, indústria, comércio, instituições de ensino, enfim, todo mundo precisa de aulas de alfabetização climática. Quem sabe, uma alfabetização para a transição civilizatória, com noções sobre segurança virtual, como não cair em fake news, noções de cidadania e ensinamentos mostrando o quanto tudo está conectado. Arborização urbana, pavimentação, construções, epidemias, saúde pública, segurança, isso e muito mais tem uma íntima relação com o clima. As mudanças climáticas estão aí para evidenciar que os impactos transcendem fronteiras, limites impostos pela civilização. Está mais do que na hora de nos darmos conta que estamos no mesmo barco.

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