Precisamos nos preparar melhor para a coberturas sobre a crise climática
Nas últimas semanas estive imersa (aproveitando o contexto da subida das águas) na elaboração de uma reportagem de fôlego. Perdi as contas de quantas fontes ouvi. O assunto, não poderia ser outro: outros lados do desastre provocado pelo caos climático que estamos atravessando no Rio Grande do Sul. Abordei pontos que são pouco, ou quase nada, esmiuçados pela imprensa local. Confira: Governo do Rio Grande do Sul engavetou planos para lidar com mudanças climáticas.
O texto foi bastante mexido pela editora Giovana Girardi, da Agência Pública. E, a partir das idas e vindas das nossas trocas de mensagens, fui percebendo que estava enferrujada para o exercício da vida de repórter. Muitas informações que apurei ficaram de fora. O resultado final, pelo retorno que estou recebendo, ficou bom. O processo de elaboração foi sofrido em vários aspectos. A reportagem repercutiu em vários sentidos. Muitos gostaram, outros se sentiram preteridos, alguns colocaram defeitos. Enfim, nunca se agrada todo mundo. Normal. Mas o processo, a apuração me fez refletir muito sobre o fazer jornalístico.
Pra começo de conversa, fazer jornalismo, de verdade, é algo que exige muito. É uma construção, tijolinho a tijolinho. É preciso: tempo, capacitação, paciência, conhecimento etc. E quando olhamos para o que sai em algum jornal ou emissora, não temos ideia do que foi para o repórter conseguir determinadas informações. E hoje, apesar de ter um expressivo aparato tecnológico a nosso favor, há muitos entraves para se conseguir informações confiáveis.
A linha editorial da Agência Pública, onde escrevo pela primeira vez, não aceita declarações em off, aquela que a pessoa entrevistada (fonte) pede para não ser identificada. Tudo que escrevia precisava ser justificado de uma forma que não estava acostumada. Aprendi muito com a Giovana, profissional que cobre meio ambiente há tempo, que me marcou com sua voz umectante no podcast Tempo Quente da Radio Novelo. Foi tenso conseguir escrever e correr atrás daquilo que ninguém tinha dado. No meio do trabalho, percebi que minha trajetória profissional e o contato com várias fontes estavam me deixando “membreada”, muito envolvida com a pauta.
O jornalismo, por mais que saibamos que não é imparcial, precisa ter como Norte sempre ouvir os dois lados. Foi muito difícil conseguir o retorno da Sema (Secretaria do Meio Ambiente) e do governo do estado. E só entrou porque a editora insistiu de enviar uma série de perguntas que eu não tinha conseguido a resposta. Tivemos que dar mais prazo para o assessor da Secretaria de Comunicação Vitor Necchi. Pois ele me garantiu que acompanharia as demandas, que me entregaria as respostas.
Talvez por estar por fora do hard news (o jornalismo diário) fiquei muito tocada com a altíssima demanda para o pessoal da comunicação da Defesa Civil e do governo que repassa as informações sobre o pós enxurradas e cheias. Entrei no grupo de WhatsApp da Defesa Civil onde estão inscritos 870 jornalistas. Muito comum o pessoal perguntar e não obter resposta. Depois que entreguei minha produção, não me contive e coloquei a seguinte mensagem no grupo:
Tenho acompanhado há dias o empenho de vocês, profissionais da área da comunicação, em tentar atender as demandas colocadas aqui. O governo do Estado parece que não percebeu ainda o quanto vocês são humanos e não estão conseguindo atender a demanda. Sinceramente, vocês precisam ter mais gente pra ajudá-los. A situação tende a piorar na região metropolitana. O vento Sul está forte e há correnteza do Guaíba para o Norte. Minha solidariedade, daqui a pouco vocês vão adoecer. Precisa ter mais equipe, mais gente.
E vejam a resposta da Sabrina Ribas, da Defesa Civil:
A gente agradece todo o apoio que temos recebido de todos os colegas da imprensa. Vocês já nos ajudam muito quando divulgam as informações disponibilizadas por nós. Cobranças e pedidos fazem parte, sabemos, só pedimos um pouco de paciência quando precisamos de mais prazo para respostas e apuração, e compreensão quando não conseguimos atender (especialmente as demandas por entrevista, que são inúmeras). No mais, continuem contando conosco. Comunicação pública pode ser muito desafiadora, mas ajudar os outros por meio do nosso trabalho, compensa demais!
Tudo isso, para mim, que já estive à frente de assessorias de imprensa, de comunicação, me deixou indignada por dentro. Pois nunca, digo nunca mesmo, deixei um repórter no vácuo.
Realmente espero que depois dessa experiência do Vale do Taquari, onde foram computadas 50 mortes, o atendimento à imprensa em casos de desastres seja aperfeiçoado. Mas aí me pergunto: seria uma estratégia do governo? Ou não há preocupação com isso porque há falta de repórteres investigadores e curiosos sobre os bastidores? Sabe-se que as redações hoje fazem praticamente o feijão com arroz…
A maior parte dos veículos dá as informações “ipis literis” como saem nos releases. Conto isso para reforçar a importância e a necessidade de termos jornalistas capacitados, com formação acadêmica atuando nas redações. É preciso saber fazer as perguntas certas. Vale ler o texto do colega Léo Gerchmann sobre esse assunto aqui no Sler.
Nem todas fontes entram numa reportagem
Mas como diria o Odorico Paraguassu, vamos deixar os entretantos e tratar dos finalmentes. Quero agradecer a todas as fontes consultadas, entrevistadas para a realização da reportagem. Faz parte do processo escutar várias fontes, mas nem todas entrarem na matéria. Algumas são escolhidas para dar o recado, o tom da matéria, por quem está editando. No caso da situação dos Comitês de Bacia Hidrográfica, todos foram unânimes em reclamar da falta de vontade política do governo do Estado em repassar recursos. Mas apenas alguns é que foram citados para dar o recado.
Também quero agradecer aos feedbacks. Foram muitos. De todos os tipos. Bons, ruins e inusitados. Mas gostei mesmo daqueles onde aprendi, refresquei ensinamentos antigos, que estavam guardados em alguma gaveta do passado. Como esse da colega Eliege Fante, assessora da Rede Campos Sulinos:
Sílvia, 2 coisas importantes:
Não é código florestal, não é desmatamento no Pampa, é supressão de vegetação nativa (porque tb tem floresta no Pampa tipo mata ciliar etc)
Eu sei que todos falam isso. Mas isso é errado tecnicamente falando. Cientistas não repetem isso. Ao contrário, exortam a corrigir em nome da conservação do que resta dos demais biomas e ecossistemas campestres que inclusive permeiam biomas florestais (como os campos na terra da Marina Silva).
68,9 % do RS é campestre
A lei de 2012 chama-se lei de proteção à vegetação nativa. TODO TIPO. Em nenhum lugar cita código florestal.
Vc que é pampeana tem tudo pra puxar esta frente e esclarecer os pares do mercado.
Aspiro ter somado ao teu belo trabalho.
E esse da Fabiana Horn, que não conheço mas estamos em um mesmo grupo de WhattsAPP:
Se me permite, tenho uma pequena sugestão: ao invés de usares “…o rio Guaíba, que corta a capital Porto Alegre,…”, uma redação mais sob a ótica ambientalista seria algo como “… o rio Guaíba, às margens do qual se instalou Porto Alegre…”. Não sei se gostas do uso Lago Guaíba, eu era contra até aprender que é mais lago que rio, e como lago é mais frágil e requer mais proteção da legislação ambiental.
Coloquei esses comentários porque foram escritos, recebi muitos outros em áudio e whatts. As editoras do Brasil de Fato/RS e do Matinal, me procuraram para republicar a reportagem. Também fiquei muito contente que o André Trigueiro publicou no X (twitou) o link da reportagem.
Escrevi tudo isso para dizer que os impactos das mudanças climáticas renderão muitos desdobramentos. E ter uma imprensa preparada para enfrentar o que ainda vem pela frente, será crucial para que a população e os tomadores de decisão se deem por conta do que significa essa tal crise climática.