Participei de um encontro onde se debateu várias formas de conhecer Porto Alegre. E andar a pé foi a que mais gostei
Quem caminha pela cidade com os sentidos atentos, observando detalhes consegue perceber muito além do que os olhos captam. E quem estuda os porquês de uma cidade ser como é, então, tem um entendimento bem maior daquilo que nos cerca. Nessa quarta, dia 14 de dezembro de 2023, mediei um encontro com três experts de áreas de conhecimentos diferentes, mas que dialogam entre si. Com o tema “Andar pela cidade”, a série de encontros Porto Alegre Metrópole, na Livraria Cirkula, encerrou este ano com uma roda de conversa com a participação de pessoas de vários bairros.
O papo começou com uma apresentação didática sobre a localização geográfica da Capital gaúcha, que fica nas margens do Lago Guaíba, e “funciona como um funil”, segundo explicou o professor do Departamento de Geociências da Ufrgs Rualdo Menegat. Ele comprovou o quanto a cidade é costeira, tem uma ligação com o litoral. Utilizando um dos blocos diagramas que foi feito para o Atlas Ambiental de Porto Alegre (Menegat foi o editor e produtor da publicação), ele evidenciou o quanto a planície costeira caracteriza o mapa físico da região metropolitana.
O professor salientou a necessidade da população se adaptar aos tempos de crise climática. Cientistas de várias instituições alertam o quanto eventos extremos como cheias e estiagens severas serão mais intensos e frequentes. Sem falar no aumento do nível do mar. Isso significa que todos precisam ter consciência do que significa morar próximo ao Delta do Jacuí, onde desembocam os rios: Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí. A chuva que cai na Serra acaba chegando aqui, e o município precisa saber como lidar com isso. Como foi nitidamente sentido esse ano.
O relevo da capital dos gaúchos tem peculiaridades interessantíssimas para quem curte lados das Ciências Ambientais. Quem sobe um morro, por exemplo, pode compreender melhor os motivos de determinados pontos sempre alagarem. Até porque, a urbanização, boa parte das vezes, não considerou o quanto é crucial a manutenção de áreas permeáveis.
Rualdo falou muitos aspectos que todos os tomadores de decisão que não pensam só no curto prazo e todos os habitantes de áreas mais sensíveis precisam saber. As zonas úmidas, como banhados, precisam ser conservadas não só porque a legislação a considerar Área de Preservação Permanente (APP). Esses espaços são fundamentais para retenção de águas e manutenção da biodiversidade. A forma de construir casas, tanto de casas humildes nos morros quanto no Delta do Jacuí, precisa ser adaptada para a realidade da crise climática.
Caminhar amplia a percepção
As transformações que a cidade vem sofrendo ao longo do tempo, assim como as diversas formas de expressão cultural podem ser degustadas com sabores inusitados só para quem anda a pé. Eu, que adoro caminhar pelas ruas, amei ouvir as sacadas do professor da Faculdade de Educação da Ufrgs C. Ele levanta cedíssimo (5h30) e sai a andar. Depara-se com situações pra lá de desconcertantes, sobre como se estabelece a convivência entre camadas sociais e culturais em distintas zonas de um município com expressiva desigualdade econômica.
Seffner contou que começou a caminhar na pandemia. Ele chamou a atenção sobre diversas oportunidades que se tem ao se deslocar com um olhar atento ao que está atrás do balcão de pequenos comércios, do que acontece com as escolas públicas e privadas em um bairro ou até mesmo das frases escritas em um quadro negro na calçada. A cidade pulsa conforme as pessoas se expressam.
Só a fala dele merece outro artigo. Espero poder escrever, pois foi muito precioso o que ele trouxe para os participantes.
O andar de transporte coletivo
E para encerrar, o economista André Augustin, pesquisador do Observatório das Metrópolis, servidor da extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE), atualmente lotado na Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Rio Grande do Sul, abordou o que está por trás na trajetória da estruturação do transporte coletivo na Capital. Um dos grandes problemas da cidade hoje é justamente esse contexto, onde o transporte público perdeu a qualidade e a eficiência devido a vários fatores.
À medida que o encontro transcorria, fui me dando conta que depois de ter sentido a ocupação urbana de cima, através dos mapas e ilustrações do Rualdo, caminhado pelas ruas com o Seffner, fui puxada pelo André para outra realidade. Ele nos convidou a entrar primeiro em um bonde puxado a tração animal e depois a um ônibus sem ar-condicionado (e sem adesivos do projeto dos Poemas nos ônibus, uma iniciativa maravilhosa que o governo Marchezan enterrou). Quando vi, estávamos tratando do caos do transporte que estamos mergulhados.
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André mencionou vários dados que levantou para o artigo que foi publicado para a coleção Reforma Urbana e Direito à Cidade sobre a crise do transporte urbano de Porto Alegre. Vale entrar na página do projeto, pois se pode baixar vários livros sem custo, com artigos de pesquisadores de muitas cidades. Só para atiçar a curiosidade e fazer você querer acessar a publicação sobre Porto Alegre: a capital gaúcha foi urbanizada em direção à eletrificação para viabilizar as linhas de bonde. O primeiro bairro a contar com esse veículo foi o Menino Deus. E, naquele tempo, a mesma empresa que construía prédios, a Companhia Territorial Porto-Alegrense, era a dona da empresa de transporte, a Carris (estatizada na década de 1950), e sócia da Companhia Hydraulica Porto-Alegrense (hoje DMAE).
Vantagens de encontros presenciais
Encontros presenciais como esse servem para muitas coisas. Além de todos terem saído animados – pedi para que cada um dissesse uma palavra sobre o que tinha achado da função – a iniciativa promoveu insights e conexões. Para a psicóloga Marta Conte, a conversa serviu como espaço de reflexão sobre a cidade, os limites e os impasses frente às mudanças climáticas que têm nos deixado desnorteadas. “O que se constata em momentos como esse é que somente a mobilização popular e consciente pode fazer frente ao poderio das grandes construtoras, que visam lucro somente. Um plano diretor deve planejar a cidade para todos, com as demandas de cada segmento social,” disse a integrante do Movimento Xangri-Lá Horizontal.
Já o organizador da série de eventos Porto Alegre Metrópole, o cientista social Antonio David Cattani, revelou para mim: o que o motiva a produzir momentos como esse é que “Porto Alegre está sendo destruída pela ganância sem limites das incorporadoras. Elas querem se apropriar de tudo, dos parques, da orla, dos morros, das praças. Não pagam, cortam árvores, criam espaços de exclusão para a maioria das pessoas”. Para ele essas empresas têm como “agente funesto” o prefeito Sebastião Melo. Outro motivo apontado pelo ativista é que a Capital está se transformando numa cidade de segregação.
Cattani entende ser fundamental pensar o papel estratégico da Prefeitura, já que há eleições em 2024. Na sua opinião, as alternativas existem e mobilizam muita gente. Mas, embora se tenha gente bem intencionada, há pouca articulação entre as “dezenas e dezenas de organizações”.
Assim como Cattani, também acredito que está mais do que na hora de criarmos espaços de diálogo para somar esforços para encontrarmos soluções para problemas coletivos. Que bom que há livrarias como a Cirkula que possibilitam esse tipo de programa. Adorei o espaço, pretendo voltar e promover eventos por lá.
Foto da Capa: Alex Rocha | PMPA
Artigo publicado originalmente no Sler