Como estagiária da rádio nos anos 1990, apreendi o que é notícia, jornalismo e coleguismo. Mas também buscava suco pra um e café para outra
A TV Educativa e a FM Cultura fizeram aniversário essa semana. No dia 26, estive nas comemorações dos 50 anos da TV e nos 35 anos da rádio. Fui uma das entrevistadas que entrou ao vivo durante a programação do dia 26 de março. Meu nome foi sugerido devido a minha atuação como jornalista ambiental e ativista. Na subida e na descida do Morro Santa Teresa, muitos sentimentos, boas lembranças e outras, nem tanto, permearam minha memória.
Fui estagiária na rádio e depois no telejornalismo das emissoras em um tempo em que o jeito de fazer as coisas acontecerem era tudo analógico. E, mesmo assim, se produzia muito, se fazia uma cobertura com muita garra e sabedoria. É bom frisar, que isso acontecia devido a vários fatores, mas principalmente pela conduta dos profissionais que lá atuaram.
Entre vinis e CDs
Em 1990, na rádio, eu batia à máquina de escrever a programação de música erudita. Sentava ao lado do Sérgio Karam, baita conhecedor de jazz. Passava para laudas de rádio as músicas selecionadas pela Sofia de Curtis, pela Marta Schmitt (veja aqui a entrevista que fiz com ela), entre outros, que tinham programas na época. Tive a oportunidade de conviver com o Marcelo del Fabro, uma pessoa encantadora, muito inteligente, responsável pelo setor de pesquisa. Ele nos deixou muito cedo. Sim, naquele tempo, se investigava, se estudava sobre o que ia ser falado.
A turma da produção era afiadíssima, todos altamente conhecedores de suas áreas: o Luis Henrique Fontoura, um expert em música brasileira, a Jacqueline Chala (uma das poucas que segue lá), uma cinéfila culta e dedicada, e a Guta Teixeira, que passava correndo atrás das escolhas dos convidados “Das músicas que fizeram a sua cabeça”, apresentado pela Ivete Brandalise.
Na rádio, sob a batuta da primeira administração da Liana Milanez, conhecida como Baiana, e o Betão (Humberto Andreatta), aprendi sobre música, arte, conhecimentos gerais, cultura, relacionamento, respeito, algo difícil de explicar. Foi um contato que me permitiu desbravar horizontes completamente desconhecidos. Nada mal para quem tinha recém saído do interior. Fui acolhida pelas pessoas que convivia, no tempo do telefone fixo, PABX, fax e telex. A rádio, naquele tempo, tinha um baita time de jornalistas, muitos que tinham feito história no Diário do Sul, um jornal que deixou saudade. Co uma programação de notícias intensa, havia diversos programas locais de excelente qualidade.
Foi uma época de ouro de produção local. Que privilégio ter vivido aquele momento. Só hoje me dou conta do significado de tudo que vivemos. Cada dia era uma aventura, desde a saída da faculdade: incontáveis vezes pedi carona no estacionamento da PUCRS até a avenida Érico Veríssimo. Ali pegava a linha de ônibus TV95, que subia o Morro. Perdi as contas de quantas vezes o ônibus estragou no caminho. Uma vez um cara veio cheirando cola do meu lado. Cheguei tonta e enjoada em cima do morro. Tive que me atirar em um canto para, aos poucos, recuperar as forças.
Entre laudas e fumaça
Aprendi o que é notícia, o fazer jornalístico, mas em especial ao que é coleguismo na redação do telejornalismo da TVE. Eu fazia rádio-escuta. Chegava todos os dias um pouco antes dos correspondentes Alfred e Ipiranga. Um ficava na rádio Guaíba e outro na Gaúcha. Ali, se ficava sabendo o que estava rolando na cidade. O pessoal fumava direto nas redações. A TV também ficava ligada em outro canal. Como estagiária, buscava suco de mamão para o Nilton Schuller, café com gotinhas de adoçante para a Sônia Renner. Jamais esquecerei o quanto tive minha atuação reconhecida pela Márcia Escobar, quando na gestão Bibo Nunes quiseram me dispensar.
Trabalhava principalmente na pauta, na produção, marcando as entrevistas para que os repórteres fizessem suas matérias. Algumas vezes, faltava gente e lá ia eu para rua. Na época, eu tremia que nem vara verde para fazer um boletim. Nem conseguia olhar para a câmera. Geralmente fazia offs, que é quando as imagens são acompanhadas por uma narração.
Escrevo tudo isso não só para homenagear a todo mundo que ajudou a escrever a história da finada Fundação Piratini, atacada e praticamente destruída pela gestão do governo Sartori. Os funcionários e a comunidade cultural lutaram bravamente para que tudo não fosse apagado. Se temos ainda a rádio e TV de hoje, diferentes daqueles áureos tempos, foi porque esses aguerridos colegas lutaram muito pela sua manutenção. Hoje há menos programação local, mas tem. Continua pública, está atrelada à Diretoria de Radiodifusão e Audiovisual da Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Não tem mais conselho deliberativo com integrantes da sociedade civil.
Em meio a tanta gente nova, lá no estúdio da TVE, me dei conta do quanto os laços que estabeleci com tanta gente que não via há mais de 20, 25 anos permanecem vivos. Porque pode entrar governo, sair governo, peguei as gestões de Pedro Simon e do Alceu Collares, mas o que fica mesmo são as relações de confiança que foram tecidas entre os desafios de construir programas ao vivo e diários. Vida longa à rádio FM Cultura e a TVE.
Fotos: Acervo da autora Texto originalmente publicado na SLER