Quando a vida concretiza a poesia

O lançamento do livro Pelo amor, não quero dizer adeus, é resultado de uma longa trajetória. Escrevo aqui um pouco do que foi viabilizar esse feito. Um tarefa que tem sido muito enriquecedora e desafiadora para uma filha que a cada dia descobre o quanto as fases da vida estão conectadas.

Quem vê a mãe na foto hoje, talvez não saiba de sua jornada nos últimos anos. Desde que caiu, em 2013, minha mãe nunca mais foi a mesma. Até os 83 anos, ela tinha uma vida cheia de compromissos na igreja, onde foi ministra da Eucaristia, no grupo Sempre Ativas (de professoras aposentadas), no grupo Santa Marta, que reúne senhoras que fazem trabalhos manuais para vender e conseguir dinheiro para obras de caridade. Antes de se aposentar, trabalhava todos os dias em quase todos os turnos, ainda bordava, tricotava e participava ativamente da igreja. Ela cuidou do meu pai também por um bom tempo, ele ficou uns 10 anos sem uma perna devido à complicações do diabete.

Na queda, ela quebrou o cóccix, teve muitas dores, ficou 40 dias hospitalizada no Hospital de Clínicas em Porto Alegre. Voltou para Cachoeira, onde continuou hospitalizada. Depois disso, ela passou a ser completamente dependente. Até porque ela caiu outras vezes e passou a ter algumas complicações pelo diabetes. Teve diversas vezes isquemias transitórias, dividiu momentos de lucidez e esquecimento. A depressão se instalou e era difícil arrancar algum sorriso de sua face. Na maior parte das vezes só queria dormir, manter-se ausente do que estava acontecendo em volta.

Como sou a filha mais nova de seis — sou considerada um milagre, pois não era mais para ela ter filhos, já tinha feito aquela cirurgia de colocar todos os órgãos no lugar — surgi aos 46 do segundo tempo. Ela tinha 39 anos. E, segundo o que me contaram, ela passou a gravidez achando que ia morrer. Pois bem, é interessante essa história porque hoje é comum as mulheres terem filho por volta dos 40. Mas naquele tempo, ela teve uma gravidez arriscada. Passei muito tempo da minha vida não curtindo muito ter uma mãe bem mais velha que as de minhas amigas ou amigos. Ou seja, daqui um tempo será bem comum os filhos conviverem com pais idosos.

Nos últimos tempos, desengavetei as duas agendas com as poesias que minha mãe escrevia. E esses poemas começaram a ser usados pelo André Correa, psiquiatra, durante as consultas. Até que perguntei para ele se seria bom pra ela editarmos um livro com seus poemas, pois já tinha feito algo caseiro, com seus bordados e versos, como lembrancinha no seu aniversário de 87 anos.

Ela adorou fotografar no estúdio. Fazia tudo que o Ernani pedia. E participou de todo os processo da escolha das imagens.
A poesia feita no passado, reacende a vida no presente.

A receptividade no Facebook

André deu a maior força. Comecei então a publicar os versos dela no Facebook para saber como seria a receptividade do público. Foi só aí, com o retorno das pessoas elogiando o seu trabalho, que ela se convenceu que merecia um livro. Ela não acreditava mais em si mesma. Muitas vezes ficou triste por não ser selecionada em concursos de poesias. Eu mesma enviei os versos delas para várias competições.

Nos finais de semana deste ano então, com uma baixa na demanda profissional e também depois de ter superado várias forças que me impediam de seguir esse projeto adiante, consegui organizar o material. O ano passado, tentei tirar o sonho do papel com outro colega jornalista, mas não consegui. Confesso que no começo foi muito difícil, algo me impedia de tocar adiante essa ideia (mas isso é papo para outra postagem).

Encontrei o Pedro Paulo, o publisher da nova Editora Coralina, nas redes sociais. Ele me mandou uma proposta para editar o livro. Ele conhece bem minha mãe. Eles fizeram muitas coisas juntos para angariar fundos para ida de pessoas para a Mariápolis (retiro de quatro dias realizado pelo movimento dos Focolari).

Ele foi até lá em casa, durante um final de semana e ela não o reconheceu. Mas fui lidando, devagarinho. Com tato e naturalidade, fui aceitando as limitações dela e fazendo o que estava ao meu alcance. E a cada final de semana que eu ia, tratávamos de uma das fases que envolvem a elaboração de um impresso.

Pra mim, que já tinha produzido e editado outras publicações, essa era especial, pois se tratava de dar visibilidade à inspiração de uma mulher que foi muito à frente do seu tempo — no início dos anos 50 se mudou sozinha para Cachoeira para ser a primeira professora formada de Matemática do município. Passou “muitas e ruins” pela vida e que até hoje nos dá lições de vida, resiliência.

Também não posso negar que convivendo com a amiga Maria Zulmira, que viabilizou a mãe ser alfabetizada aos 82 anos, tornando-a uma artista, a Tetê Brandolinclique aqui para saber mais dessa história fantástica e com a Sandra Tello, que conheci no curso de Fluxonomia 4D, criadora do projeto Amaridades, minha consciência me dizia que tinha que fazer algo pela minha mãe.

O envolvimento durante o processo

Procurei envolvê-la em todo processo de elaboração tanto da obra, quanto do lançamento. Levei opções de capa para ela escolher, fui atrás de pessoas que poderiam escrever sobre o trabalho dela, algo complexo pois as amigas que ela queria ou estavam doentes, como a Ely Marciniak e a Dalila Fonseca. Até que consegui visitar a Sara de Jardim, com 98 anos, que me deu um depoimento para constar na orelha do livro.

Hoje minha mãe está super animada. Mais que isso: viva. Preocupada com o espaço onde será o lançamento. Querendo que tenha doces e salgados para oferecer aos convidados. Decorou poemas para falar no grande dia, que será dia 17 de julho, na Casa de Cultura da cidade. Ela agora não fica mais querendo passar o dia deitada. Está no centro da sala, acompanhando todos os preparativos e a movimentação de sua volta. Pra mim, só isso já vale a pena o livro ter sido concretizado.

Agradecimentos

Não posso deixar de agradecer a todas pessoas que tem se envolvido nos tratamentos e cuidados com a mãe nos últimos tempos, além das minhas irmãs Lúcia (e meu incansável cunhado Cláudio), Clarice e Beatriz. Meu muito obrigada ao fisioterapeuta Filipe Bragamonte, a psicóloga Liziane, ao psiquiatra André Corrêa, a dra. Zilda, o dr. Denis, as cuidadoras Fabiane, Adriane, Gilmara, dona Marina, enfim, a todos que tem dedicado tempo a essa mulher a quem agradeço por estar aqui.

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