Carta à tia Jandira

Porto Alegre, 7 de outubro de 2021

Querida tia Jandira,

Queria muito ter te visitado, ter te entrevistado antes da tua partida. Mas por conjunturas da vida, não deu. Doenças na família, correrias do dia a dia, trabalho e, principalmente a impossibilidade de viajar devido à pandemia não permitiram que eu conseguisse acessar a tua brilhante memória.

Tem muitas coisas que a gente só dá valor com o decorrer da vida. E saber aproveitar o que os mais velhos tem a contar sobre o que passaram, o que fizeram para chegar onde seus filhos estão hoje, é algo relevante para entender melhor nossa existência.

Nossa família Marcuzzo tem muita história pra resgatar. Minha intenção era que pudesses ter me contado com detalhes como meus antepassados faziam para vencer as adversidades. Não tive o privilégio de conhecer nenhum dos meus avós, nem por parte de pai, nem de mãe. Coisas de quem teve pais mais maduros…

Mas tia, eu realmente gostaria de saber como foi tua experiência, de ter força, garra e coragem para colocar no mundo 16 filhos:

Levino, Lucila, Lenita, Luís (baita cara, que partiu esse ano), Licelia, Leonides, Jacinta, Paulo Pio, Pedro, Bernardete, Clarinda, João, Júlio, Marta, Fátima e Cláudia (que faleceu quando ela e eu éramos muito pequenas).

Teus filhos geraram 29 netos e 11 bisnetos. Que função quando toda família se reunia, hein? Lembro do campeonato de futebol só entre os guris da família, que o meu filho participou uma vez no campinho do seminário em Vale Vêneto.

Tia, como uma boa matriarca italiana, como foi passar boa parte da vida grávida? E como era a rotina naquele tempo que não existia fralda descartável e tudo que se comia precisava ser plantado com as próprias mãos? Acredito que o tio Lino, um ser humano especial, calmo e amável, ajudava bastante, assim como tuas filhas mais velhas.

Ora, em tempos de internet e de tudo bem mais fácil, isso pode parecer bobagem. Mas te garanto que pra mim não é. Honro a trajetória do pai, que saiu do seminário e veio para Porto Alegre com a roupa do corpo. Tenho certeza que terias muitas informações sobre o que significou para a família essa decisão difícil tomada por ele naquele tempo. Pois se não fosse ela, eu não estaria aqui escrevendo isso pra ti.

Tia, quero te dizer que embora tenhamos nos encontrado poucas vezes nos últimos tempos, guardo com muito carinho as lembranças os momentos festivos em família em Vale Vêneto. Sei que preciso compreender mais o significado de coisas do jeito “marcuzzo de ser” e que talvez tu pudesses me ajudar a decifrar.

Como a única jornalista “ainda” na família, que alguns chamam de “Clementina” (o que me orgulha em fazerem alusão ao querido tio padre), confesso: sinto-me incomodada em não conseguir conviver mais com quem cunhou nossa trajetória. Precisamos estar abertos para aprender com os erros e acertos do passado, com os pés no presente, mas vislumbrando o que é melhor para todos a longo prazo.

Lamento muito tia, não ter conseguido te encontrar… espero conseguir voltar à colônia para conversar com outras pessoas que possam me ajudar a montar o meu quebra-cabeças de resgate de tantas histórias.

Um grande abraço,

Sílvia

 

 

Observação:  Jandira Marcuzzo Pivetta  era a última dos 10 filhos de Luiz Marcuzzo e Amábile Bortoluzzi Marcuzzo, irmã mais nova do meu pai, Santo Marcuzzo. Tinha 92 anos, nasceu em 30 de agosto de 1929 e faleceu em 7 de outubro de 2021. Faleceu de pneumonia, fibrilação atrial, linfagite e septicemia.

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