A Rota dos Museus marca a volta da capital gaúcha como uma Cidade Educadora
Na terça-feira, dia 29 de novembro, participei de uma atividade que me deixou encantada e, ao mesmo tempo, provocou um certo incômodo. Fiz o percurso da Rota dos Museus no Centro Histórico, que integrou a programação do 1° Congresso Porto Alegre Cidade Educadora – Cidade de Paz e Oportunidades. O evento de dois dias contou com diferentes práticas educativas. Os participantes podiam escolher alguns dos nove percursos, disponíveis em seis trajetos: Rota das Comunidades, Rota das Escolas (Protagonismo Estudantil), Rota da Inovação, Rota Mobilidade Humana, Rota dos Museus e Rota Territórios Negros, com deslocamentos pelo Centro Histórico, Ilha da Pintada, Lomba do Pinheiro, Morro da Cruz, 4º Distrito e Vila Planetário.
A iniciativa marca a volta da capital gaúcha como uma Cidade Educadora. O município tinha deixado de integrar a lista por falta de engajamento. Isso quer dizer que a Administração Municipal se compromete em abraçar a concepção do que isso significa. A cidade passa ser encarada como um território educativo. Seus diferentes espaços, iniciativas e atores são compreendidos como agentes pedagógicos. Clique aqui para saber mais sobre o conceito.
O diferencial do evento foi a realização dessas rotas, uma vivência que aproximou os participantes de realidades bem diferentes com a interação de guias locais. O evento contou com mais de 300 inscritos, em especial professores das redes privada e municipal e pessoas das comunidades. Fiquei sabendo do Congresso devido ao envolvimento de integrantes do POA Inquieta.
Inclusive o articulador do POA Inquieta Cleiton Chiarel apresentou a experiência do 1º Congresso Popular de Educação para a Cidadania no segundo dia do evento. Para Cleiton, “o evento foi muito importante porque representa uma retomada do que nunca deveria ter saído de foco de qualquer município que é a transformação pela educação”.
Nos museus descobrimos nossa história
Amei o percurso dos museus por vários fatores, em especial por saber que a Capital oferece espaços para o desenvolvimento de programas que possibilitam o aprendizado de diversas formas. A partida foi o Museu da UFRGS, onde está em exposição a Mostra itinerante Guarani Mbyá, dos fotógrafos Vherá Poty e Danilo Christidis. Eles fotografaram por sete anos 15 aldeias guaranis no Rio Grande do Sul. Imagens tocantes que evidenciam o cotidiano indígena e que tentam explicar os valores da etnia. Vale conferir o registro e a entrevista que fiz com Júlia Burger, a coordenadora da Rede Educativa de Museus e Instituições Culturais de Porto Alegre no meu Instagram (aproveite para me seguir por lá).
Depois, o grupo foi para o Centro Histórico-Cultural da Santa Casa, um dos lugares que todo mundo precisa conhecer. Ao me deparar com a história da Santa Casa, que mostra a evolução e o avanço da medicina, percebi que não podemos reclamar da vida hoje. Há pouco tempo, os tratamentos, a assepsia praticada são impensáveis para os dias de hoje. É impressionante o acervo do museu. Até a década de 40 do século passado, os recém-nascidos eram colocados na Roda dos Expostos (vale demais ler a reportagem da Jéssica Rebeca Wever). Hoje a Santa Casa é um complexo de hospitais, onde vem gente de várias partes do país para se tratar. Vale lembrar que, no tempo de fundação das Santas Casas, os cuidados com doentes ficavam a cargo de religiosas católicas. O serviço era uma forma de viver a caridade, a compaixão pregada por Cristo. Temos outros hospitais e escolas que nasceram com mesmo propósito, mas que hoje funcionam como uma empresa.
Várias coisas me chamaram a atenção nessa visita, mas principalmente a desenvoltura da moça que nos guiava. É a jovem Gabriela Monteiro, que exibe no seu perfil do Insta a definição: historiadora com orgulho, educadora com amor. Ela sabia tudo na ponta da língua e conseguiu terminar no tempo exato que a programação permitia. Saí de lá me perguntando: quantas pessoas conhecem esse lugar tão incrível? Tenho vários conhecidos que frequentaram por muito tempo as dependências da Santa Casa, mas que, tenho certeza, não colocaram seus pés lá. Além de museu, o Centro Cultural da Santa Casa tem galeria de arte, auditório, cafeteria, lojas. É um lugar de sentir orgulho de morar em Porto Alegre. Confira alguns registros que fiz do percurso.
Consegui participar do roteiro até o outro ponto, o Museu Júlio de Castilhos, o mais antigo do Estado. Lá fomos recebidos pela museóloga Dóris Couto. Ela apresentou as preciosidades da instituição que guarda inúmeras relíquias. Dóris adiantou que o museu será ampliado o ano que vem, pois faltam salas para colocação do amplo acervo que conta a história do Rio Grande do Sul. Você pode conferir a live que fiz com a Dóris no meu Insta aqui.
O servidor da Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria e coordenador técnico do movimento Porto Alegre Cidade Educadora Marcos Caetano Corrêa conta que a iniciativa está tendo uma boa adesão dos porto-alegrenses. A equipe foi em todas as secretarias para divulgar o trabalho. “Teremos para o ano que vem a ampliação do Cidade Educadora. O Congresso foi um momento de consolidação, tanto no sentido da visibilidade das ações, pois muitas pessoas não conheciam. Fechamos um ano de trabalho de organização”. Corrêa acredita que o movimento possibilitará a retomada de laços de confiança entre a comunidade, servidores públicos. “Precisamos avançar muito em políticas públicas que tragam a questão da inclusão, a questão da educação para a cidadania”.
Valorizar o local
Voltei para casa incomodada. Acho que estou me dando conta do quanto desperdiçamos, não aproveitamos bem as atrações e as características socioambientais que a “nossa leal e valorosa” oferece. Mas daí, lembrei que muita gente enche a boca comentando que foi para Disney, para a Europa e nunca colocou os pés no Parque Natural do Morro do Osso ou no Parque Estadual de Itapuã.
Precisamos mudar nossa cultura de querer viajar, mudar de ares para bem longe. Temos refúgios dentro da própria cidade ou próximos dela! Além de ser bem mais ecológico e quase sem custos. E mais, precisamos aprender com a nossa história. Saber quem foram esses personagens que hoje são nomes de ruas e avenidas. Lá na visita no museu da Santa Casa fiquei sabendo um pouco da trajetória de algumas personalidades.
Por isso e mais um pouco, deixo uma sugestão: e se os universitários, estudantes do ensino médio, até mesmo funcionários públicos ou da iniciativa privada tivessem um passaporte que pudesse ser carimbado ao visitar os museus da cidade? Em um ano, seria preciso visitar um número x de museus. Os estudantes deveriam escrever um texto sobre o que gostaram, aprenderam. E se a prefeitura incentivasse a ida aos museus disponibilizando ônibus para pelo menos duas excursões por ano às comunidades escolares municipais?
Há muitas experiências bem-sucedidas que podem ser replicadas aqui. Tomara que a vontade política para as executar seja consistente, verdadeira e perdure. Pois, assim como há essa iniciativa louvável, há outras, que não tem nada a ver com uma cidade educada e civilizada (mas isso fica para outro artigo).
Quem quiser saber mais acerca desse assunto, pode conferir aqui um texto e uma live que fiz sobre como Medellín deixou de ser uma das cidades mais perigosas do planeta para ser uma das mais criativas e inovadoras. Estive lá em novembro do ano passado e conferi várias iniciativas de urbanismo pedagógico.
Outra notícia que li essa semana que evidencia o quanto a educação é a chave para melhorarmos o mundo é o que a Finlândia está fazendo para combater a circulação de fake News. Lá o pensamento crítico e a alfabetização midiática fazem parte do currículo há tempo. Por exemplo: nas aulas de matemática é mostrado como as estatísticas podem ser manipuladas, nas aulas de arte, se pede para que os alunos façam os rótulos de produtos de beleza, entre outras inovações. Saiba mais aqui.
Finalizo com uma frase que ouvi esses tempos, atribuída a Juana Inés de la Cruz: “Por que estudo? Para ignorar menos.” Ouso mudar essa frase com uma analogia parecida: Por que visitar museus? Para saber de onde viemos e porque estamos onde estamos. E você já parou para pensar no que você ignora a sua volta?